A DIFÍCIL ARTE DE AMAR (Heartburn, 1986, Paramount Pictures,
108min) Direção: Mike Nichols. Roteiro: Nora Ephron, livro de Nora
Ephron. Fotografia: Nestor Almendros. Montagem: Sam O'Steen. Música:
Carly Simon. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Tony
Walton/Susan Bode. Produção: Robert Greenhut, Mike Nichols. Elenco: Jack
Nicholson, Meryl Streep, Jeff Daniels, Maureen Stapleton, Stockard
Channing, Richard Masur, Catherine O'Hara, Kevin Spacey, Joanna Gleason,
Mercedes Ruehl. Estreia: 25/7/86
Segundo trabalho
de Meryl Streep sob o comando de Mike Nichols e um roteiro de Nora
Ephron - o primeiro foi "Silkwood, o retrato de uma coragem" (83), que
lhe deu uma indicação ao Oscar - "A difícil arte de amar" é a adaptação
de um livro da própria Ephron, que pôs no papel, em forma de ficção, a
real história de seu casamento com o jornalista Carl Bernstein, o mesmo
que, junto com Bob Woodward, expôs o escândalo Watergate e obrigou a
renúncia do presidente Richard Nixon (e foi vivido por Dustin Hoffman no
filme "Todos os homens do presidente" (86)). Mais conhecido pela bela
canção-tema de Carly Simon, "Coming around again", o filme de Nichols é
uma amarga e cínica análise de um relacionamento pouco saudável, que
aposta no texto ácido de Ephron e no talento de Streep e Jack Nicholson
para transformar o que poderia facilmente se tornar uma longa diatribe
contra a instituição do casamento em um drama realista, ainda que com a
mordacidade típica da roteirista e a elegância de sempre da direção de
Nichols.
Quando o filme começa, a escritora
nova-iorquina Rachel Samstat (Meryl Streep) e o jornalista Mark Formn
(Jack Nicholson, substituindo Mandy Patinkin depois de dois dias de
filmagens) se conhecem no casamento de um amigo em comum. Mesmo já tendo
passado por relacionamentos não muito felizes, ambos acabam se
apaixonando e, depois de deixar as reservas a respeito do assunto de
lado, resolvem também subir ao altar. Como todo casal apaixonado, eles
compram uma casa - que mais os estressa do que os deixa felizes, graças à
sua interminável reforma - e tentam administrar a relação, já que ele
continua trabalhando, mas ela abandonou o emprego para mudar-se com ele
para Washington. A familia não demora a aumentar, mas nem mesmo a filha
pequena impede Mark de embarcar em um caso extraconjugal que ameaça
jogar tudo por terra. Traída, Rachel acaba por perdoar o marido, mas a
confiança abalada mostra-se cada vez mais ameaçadora à tranquilidade do
casal, especialmente com uma segunda gravidez na jogada.
Não
é de surpreender que o roteiro de Ephron, assim como o livro que lhe
deu origem, ponha a maior parcela de culpa no fracasso do casamento
entre Rachel e Mark no jornalista, uma vez que a trama é contada quase
do ponto de vista da personagem de Streep (que, mais uma vez, está
soberba), mas é preciso admirar a forma como Nichols tenta fugir da
tentação de apontar qualquer dedo, mostrando que em qualquer relação
existe dois lados a considerar. Ter Jack Nicholson como a segunda metade
do casal não atrapalha em nada, apesar do eterno ar cínico do ator
complicar quando seu personagem tenta convencer Rachel - e por
contrapartida a audiência inteira - de seu arrependimento. Mark Forman
não é um papel simpático, e Nicholson faz o que pode para que a alta
dose de maniqueísmo imposta pelo roteiro não prejudique sua comunicação
com o público - não foi à toa que Dustin Hoffman recusou o papel, talvez
também para não reviver com Meryl Streep um casamento fracasso como o
que viveram em "Kramer x Kramer" (79). Segundo o roteiro, não existe
algoz mais fatal para uma relação do que o adultério, mesmo que o tédio,
a frutração profissional e a falta de tesão também estejam na equação, e
esse quase simplismo acaba sendo o calcanhar de Aquiles do filme.
Com
o talento de Ephron em tirar humor das mais trágicas e sérias situações
- talento esse que ficaria patente com o sucesso de suas comédias
românticas "Sintonia de amor" (93) e "Mensagem pra você" (98) - seria de
esperar que "A difícil arte de amar" fosse um tanto menos pessimista.
No entanto, como forma de catarse, é inegável que a radiografia da
relação estragada entre Rachel e Mark funciona às mil maravilhas. Com
diálogos escritos com extrema fluência - característica de Ephron - e
interpretados por um elenco de sonhos que inclui ainda Jeff Daniels,
Stockard Channing, o cineasta Milos Forman e um estreante Kevin Spacey
em uma ponta impagável, o roteiro tem ritmo, consistência e um senso de
verdade que somente uma história real que não apela para o
sentimentalismo de doenças terminais consegue, o filme de Mike Nichols
ainda por cima tem a luxuosa participação da trilha sonora charmosa de
Carly Simon, que comenta a história com sua voz inconfundível e delicia o
espectador. É ela um dos principais motivos para se assistir ao filme -
se é que preciso motivos além de Meryl Streep e Jack Nicholson.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
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