GATINHAS E GATÕES (Sixteen candles, 1984, Universal Pictures,
93min) Direção e roteiro: John Hughes. Fotografia: Bobby Byrne.
Montagem: Edward Warschilka. Música: Ira Newborn. Direção de
arte/cenários: John W. Corso/Jennifer Polito. Produção executiva: Ned
Tanen. Produção: Hilton A. Green. Elenco: Molly Ringwald, Anthony
Michael Hall, Michael Schoeffling, Paul Dooley, Justin Henry, Haviland
Morris, Gedde Watanabe, John Cusack, Joan Cusack, Carlin Glynn, Liane
Curtis, Jami Gertz, Zelda Rubinstein. Estreia: 04/5/84
Se
existia um cineasta na década de 80 que entendia o que se passava nas
cabeças e nos corações dos adolescentes, esse cineasta era John Hughes.
Com uma pequena série de comédias românticas estreladas por sua musa
Molly Ringwald - que começou com "Gatinhas e gatões" e inclui "Clube dos
cinco" e "A garota de rosa-shocking" (que ele escreveu e Howard Deutch
dirigiu), além de "Curtindo a vida adoidado", sem sua atriz-símbolo -
ele marcou toda uma geração de jovens, que conseguia enxergar na tela
seus medos, suas dúvidas e seus desejos retratados com carinho e um
senso de humor delicado que equilibrava ingenuidade e picardia. Tratando
de assuntos que interessavam a seu público-alvo, como sexualidade,
relações familiares e dúvidas existenciais, seus filmes encantavam
principalmente por causa da linguagem simples, da despretensão e da
escolha certeira de seus elencos. Representada especialmente por Molly
Ringwald, que chegou a ser capa da revista Time por conta de seu sucesso
nas obras do diretor, a adolescência vista pelos olhos de John Hughes
conquistou lugar de honra na história do cinema pop americano.
A
trama de "Gatinhas e gatões" é de uma simplicidade comovente: no dia de
seu aniversário de dezesseis anos, a adolescente Samantha Baker (Molly
Ringwald, que conseguiu o papel contra Laura Dern) acorda decepcionada
com o fato de não ver no espelho nenhuma diferença em relação ao dia
anterior. Porém, uma outra decepção, ainda maior, acontece quando
ninguém em sua casa lembra da data, para ela tão importante por
representar um passo a mais em direção à idade adulta: focados no
casamento de sua irmã mais velha, seus pais, irmãos e avós nem mesmo a
cumprimentam pela data, o que a deixa arrasada. Para piorar seu dia - já
completamente arrasado pela indiferença familiar - ela não consegue
deixar de lado sua paixão avassaladora pelo popular Jake Ryan (Michael
Schoeffling, que depois faria par romântico com Winona Ryder em "Minha
mãe é uma sereia"), comprometido com uma patricinha mais velha e
insensível. Em uma festa da escola - onde é obrigada a levar o
intercambista chinês que mora com seus avós e que descobre as maravilhas
do mundo ocidental da maneira mais direta possível - Sam ainda precisa
lidar com o assédio de Ted (Anthony Michael Hall), um nerd que apostou
com seus amigos (entre os quais um jovem John Cusack) que conseguiria
seduzí-la. Surge entre os dois uma inusitada amizade, que os ajudará, a
ambos, a terminar a noite bastante diferentes de como a começaram.
Assistir
a "Gatinhas e gatões" equivale a uma boa viagem no tempo: tudo que
havia de mais típico de sua época está presente em cena. O figurino
exagerado - o chapéu que a protagonista usa no início do filme virou
moda entre sua faixa etária - encontra eco na trilha sonora deliciosa
(com Spandau Ballet e David Bowie entre os ilustres participantes) e nas
referências culturais espalhadas pelo cenário, como pôsteres de bandas
oitentistas como Culture Club, que decoram o quarto de Samantha. Até
mesmo o que hoje é considerado clichê no gênero - festas radicais,
estereótipos juvenis, final feliz - surge na trama, que é temperada por
cenas de um humor ingênuo e que funciona às mil maravilhas mesmo depois
de tanto tempo. A então novata Joan Cusack, por exemplo, nem precisa
falar muito para levar a audiência às gargalhadas na pele de uma
estudante presa em um aparelho ortopédico que a impede de coisas básicas
como beber água ou tomar cerveja de uma latinha: Cusack já apostava no
tipo de humor que a levaria a concorrer ao Oscar de coadjuvante em duas
ocasiões, além de contracenar com o irmão, John, que na década seguinte
se tornaria um dos mais confiáveis atores de Hollywood.
E
por falar em atores, pode parecer impossível imaginar o triângulo
central de "Gatinhas e gatões" formado por outros que não Ringwald,
Anthony Michael Hall (que ainda fez parte de "Clube dos cinco" e "Mulher
nota 1000", não dirigido por Hughes) e Michael Schoeffling, mas não
deixa de ser interessante pensar em como seria o resultado se outros
testados para os papéis tivessem conseguido passar. Além de Laura Dern
como Samantha, o público poderia ter tido a oportunidade de ver Viggo
Mortensen como o galã Jake Ryan e Jim Carrey (!!!) como o nerd Ted.
Felizmente Hughes fez as escolhas certas - e ainda lançou um dos gêneros
mais queridos da década de 80. Com "Gatinhas e gatões" surgiram os
filmes de adolescentes em crise que tanto apaixonaram a juventude em seu
tempo. Só por isso já merece todos os louvores.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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