OS FANTASMAS SE DIVERTEM (Beetlejuice, 1988, Geffen Company,
92min) Direção: Tim Burton. Roteiro: Michael McDowell, Warren Skaaren,
estória de Michael McDowell, Larry Wilson. Fotografia: Thomas Ackerman.
Montagem: Jane Kurson. Música: Danny Elfman. Figurino: Aggie Guerard
Rodgers. Direção de arte/cenários: Bo Welch/Catherine Mann. Produção:
Michael Bender, Richard Hashimoto, Larry Wilson. Elenco: Alec Baldwin,
Geena Davis, Winona Ryder, Michael Keaton, Catherine O'Hara, Jeffrey
Jones, Glenn Shadix. Estreia: 29/3/88
Vencedor do Oscar de Maquiagem
Era
uma vez o roteiro de um filme de terror cujo protagonista era um
demônio cujo objetivo era se disfarçar-se de humano para interagir com
duas famílias normais, matar uma delas e estuprar a filha adolescente de
outra. Conforme os anos iam passando e o roteiro ia sendo reescrito, as
coisas começavam a mudar, até que um dia, com a entrada de Tim Burton
no projeto, o que seria um apavorante exercício de horror transmutou-se
em uma comédia de humor negro repleta das bizarrices e excentricidades
que fariam a fama do diretor no futuro - a despeito de seu desvio para o
cinemão comercial com os dois primeiros capítulos de "Batman" que ele
comandou e encheram os bolsos da Warner Bros.. Visualmente criativo e
dotado de um senso de ironia e mordacidade poucas vezes vistos nascidos
dentro dos estúdios de Hollywood, "Os fantasmas se divertem" ainda teve
um belo desempenho nas bilheterias americanas, arrecadando mais de 70
milhões de dólares contra um custo estimado de 15 milhões, e dobrou até
mesmo os conservadores eleitores da Academia, arrebatando o Oscar de
maquiagem, um trabalho artesanal que remava contra a maré dos
dispendiosos efeitos visuais pós-"Star Wars".
Visto
hoje, à luz dos anos, "Os fantasmas se divertem" é um típico filme de
Tim Burton, que na época ainda era um talento pouco reconhecido, tendo
dirigido apenas "As grandes aventuras de Pee-Wee" (85). O visual kitsch
misturado com personagens excêntricos e tramas que desafiam os padrões
de normalidade do american way of life estão no âmago de sua
filmografia e são elementos cruciais em sua história sobre um casal de
fantasmas camaradas que tentam, de todas as maneiras possíveis e
imagináveis, retomar sua casa das mãos de uma família mais apavorante do
que eles mesmos. Pontuado pela trilha sonora de Danny Elfman - que se
tornaria colaborador habitual de Burton - o filme consegue a façanha de
agradar ao público adulto da mesma forma com que conquista a plateia
infantil, com suas brincadeiras visuais, humor insano e um elenco de
personalidade que começa com um Michael Keaton pré-Batman na pele do
asqueroso, lunático e francamente desagradável personagem-título, o
bio-exorcista (!!) Beetlejuice e apresenta uma jovem Winona Ryder
começando a carreira e Geena Davis no mesmo ano em que surpreendeu
Hollywood levando o Oscar de coadjuvante por "O turista acidental".
Davis
- que já tinha o sucesso de "A mosca" no currículo - interpreta
Barbara, uma das metades do casal Maitland, completado pelo dedicado
Adam (Alec Baldwin). Apaixonados um pelo outro e pela casa que
construiram, eles morrem inesperadamente em um acidente de carro e não
só precisam lidar com a nova realidade, mas também com o fato de que seu
lar agora pertence à excêntrica família Deetz, que chegaram até mesmo a
contratar um decorador para deixá-lo de acordo com sua personalidade. A
mãe da família, Delia (Catherine O'Hara, substituindo Anjelica Huston
com graça e timing perfeito) é uma bizarra escultora dada a aceitar conselhos de seu guru, e a filha do casal, Lydia (Winona Ryder) é a
única que percebe que alguma coisa está errada no local. Desesperados
com a possibilidade de serem obrigados a assistir seu sonho de consumo
transformar-se em pesadelo, o casal Maitland acaba tendo que recorrer a
Beetlejuice, um exorcista de seres vivos. Porém, uma vez que eles
descobrem que o estranho ser é mais aterrador ainda do que os Deetz,
somente a jovem Lydia pode ajudá-los.
Resumir a trama
de "Os fantasmas se divertem" é tarefa inglória, uma vez que o roteiro
não se furta a brincar com as expectativas do público, alternando-se
entre o humor escrachado de Beetlejuice, a ironia quase sutil do núcleo
da família Deetz e a impotência do casal Maitland diante de
circunstâncias tão estranhas para eles quanto para o público. Tim Burton
deita e rola com as inúmeras possibilidades oferecidas pela trama,
oferecendo tanto efeitos especiais criados com técnicas quase primitivas
quanto brincadeiras visuais que se equilibram entre o grotesco e o
francamente engraçado. Para isso, ele conta com uma equipe digna dos
maiores elogios, como o músico Danny Elfman e o designer de produção Bo
Welch, que criou cenários perceptivelmente fakes que combinam com o tom
artesanal do conceito do cineasta - não à toa, Burton dirigiria alguns
anos depois, a cinebiografia de "Ed Wood", cujos filmes também eram
quase um elogio ao kitsch e ao falso. Além deles, o elenco não é menos
que espetacular: se Michael Keaton tem aqui a maior chance de mostrar-se
um ator bancável (fato que comprovaria em seus trabalhos seguintes com o
diretor, na pele do homem-morcego), Winona Ryder dava os primeiros
passos de uma carreira que amadureceria bastante na década seguinte e
Geena Davis também se fazia notar com ótima química com Alec Baldwin. No
entanto, é difícil não destacar o trabalho de Catherine O'Hara, genial
como Delia Deetz - é inesquecível, por exemplo, a sequência em que a
família é assombrada por Beetlejuice durante um jantar com convidados e é
obrigada a dançar a ritmada "Day-O (The Banana Boat Song)".
"Os
fantasmas se divertem" é uma espécie de cartão de visitas de Tim Burton
para Hollywood. Deu certo, como ficou comprovado com sua carreira
bem-sucedida desde então. E é, também, um inventário das obsessões, das
piadas e dos conceitos de seu diretor, um dos mais autorais e
respeitados de uma terra tão pródiga em sepultar a criatividade alheia.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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