3 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Denzel Washington), Trilha Sonora Original, Canção Original ("Cry freedom")
Uma das figuras mais importantes na luta anti-Apartheid na África do Sul nos anos 70, Steve Biko pode não ser tão reconhecido internacionalmente como Nelson Mandela, mas seu legado, centrado principalmente na fundação do Movimento da Consciência Negra é incontestável, o que fez com que o cineasta Richard Attenborough o escolhesse como tema de um de seus filmes mais extraordinários, "Um grito de liberdade". Baseado em dois livros escritos pelo jornalista sul-africano Donald Woods sobre o assunto, o roteiro de John Briley escolhe como foco de sua narrativa não a vida do militante - interpretado com a garra de sempre por um Denzel Washington indicado ao Oscar de coadjuvante - mas sim a sua relação com Woods, editor do Daily Dispatch, importante jornal do país, que tem sua visão imparcial sobre a situação política transformada a partir de seu contato com a realidade da população negra. Politicamente impactante e bem interpretado, o filme de Attenborough só peca em estender demais sua história - ainda que nunca chegue a perder o ritmo de urgência que imprime desde seus primeiros minutos.
Ao optar por dar a protagonização de sua história a Donald Woods - branco, bem-sucedido, protegido pelas leis criadas por pessoas como ele - e não a Steve Biko (em tese a gênese da produção), o roteiro de Briley acerta duplamente. Primeiro, por fazer com que o público vá descobrindo, junto com o jornalista (interpretado com maestria por Kevin Kline), toda a extensão do problema do racismo endêmico da África do Sul pelos olhos de quem o sofre: antes de seu contato com Biko, Woods apenas o considerava um racista ao contrário, que defendia a violência com as mesmas armas de seus antagonistas. Quando finalmente as coisas ficam claras para ele - e consequentemente para a plateia - vem o primeiro choque, que não convém revelar, mas que dará o empurrão para a segunda parte do filme. Revoltado e agora consciente das barbaridades do regime, caberá ao jornalista bradar a verdade ao mundo, mesmo que isso signifique o fim de sua pacífica vida familiar e profissional.
Não é à toa que o cineasta grego Costa-Gavras - sempre inclinado a assinar produções de forte cunho político - tinha intenção de filmar a história de Steve Biko: a segunda metade do filme de Attenborough se mostra um thriller político de primeira linha, com direito a sequências de suspense, planos mirabolantes e um final arrepiante, que encena um dos mais inexplicáveis (se é que algum é) massacres ocorridos no país durante o período retratado na trama. Nessa segunda parte da narrativa, Woods - banido pelo governo e impedido de sair de casa ou comunicar-se com quem quer que seja exceto membros de sua família - resolve atravessar um manuscrito onde descreve todos os absurdos que testemunhou (assim como as ostensivas mentiras contadas pelo governo a respeito da morte de dezenas de ativistas negros) e lançá-lo em forma de livro. Attenborough comanda esses momentos com segurança, deixando o público aflito, torcendo por um final que, apesar de já ser conhecido, parece nunca chegar. É aí que entra também a importância da trilha sonora - indicada ao Oscar - e do trabalho de Kevin Kline, que conquista a simpatia da audiência como uma espécie de super-herói, disposto a melhorar um mundo apesar de suas consequências.
"Um grito de liberdade" é um filme político sem o ranço de um filme político. É, mais do que isso, um filme sobre pessoas, sobre seres humanos, sobre o desejo inquebrantável de um povo por sua liberdade, por seus direitos inatos. É também uma aula de história ilustrada com momentos de tensão, emoção e esperança, além de um filme como Attenborough nunca mais conseguiu fazer - talvez nem mesmo o anterior "Gandhi" (82), apesar dos Oscar e do frisson na ocasião de sua estreia, seja tão bom do ponto de vista narrativo. E é, finalmente, um filme que precisa ser revisto sempre, como lembrança das atrocidades de que o homem é capaz de fazer a outro.
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