quarta-feira

GOSTO DE SANGUE

GOSTO DE SANGUE (Blood simple., 1984, River Road Productions, 99min) Direção: Joel Coen. Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen. Fotografia: Barry Sonnenfeld. Montagem: Roderick Jaynes, Don Wiegmann. Música: Carter Burwell. Figurino: Sara Medina-Pape. Direção de arte: Jane Musky. Produção executiva: Daniel F. Bacaner. Produção: Ethan Coen. Elenco: John Getz, Frances McDormand, Dan Hedaya, M. Emmet Walsh, Samm-Art Williams. Estreia: 07/9/84 (Festival de Toronto)

Nada como começar com o pé direito. Filme de estreia dos irmãos Coen - que uma década e meia mais tarde se consagrariam com os Oscar de filme, direção e roteiro com "Onde os fracos não tem vez" (07) - o policial noir "Gosto de sangue" já mostra, de forma crua, criativa e surpreendente todos os elementos que fariam a fama dos cineastas no futuro. Ao lado de um roteiro mirabolante e cheio de surpresas, estão presentes a direção primorosa de atores, a movimentação frenética e imprevisível da câmera e a paixão inconteste pelo cinema em si, homenageado através da utilização dos signos e ingredientes de um dos gêneros mais queridos pelos cinéfilos - e que seria novamente revisitado por eles em obras de narrativa mais sofisticada, como "Ajuste final" (90) e "O homem que não estava lá" (01). No fundo apenas uma história de policial que remete a clássicos da literatura pulp, mas banhada a sangue, suor e uma certa dose de humor negro, o primeiro filme dos Coen é uma pequena amostra do extraordinário talento com que os irmãos iriam presentear os fãs da sétima arte dali em diante.

O cenário é o Texas, árido como fica o coração de Julian Marty (Dan Hedaya), o proprietário de um bar, quando tem a confirmação de que sua esposa, Abby (Frances McDormand) o está traindo com um funcionário, o jovem Ray (John Getz). Indignado com a traição, ele contrata o mesmo detetive particular que lhe forneceu as provas do adultério, Loren Visser (M. Emmet Walsh), para acabar com o novo casal. Com a promessa de abocanhar dez mil dólares, o detetive aceita a missão. O problema é que quando dinheiro está em jogo as coisas nunca são simples, e o que aparentava ser apenas uma história de traição e morte se transforma rapidamente em um jogo de trapaças e surpresas, onde ninguém é o que realmente mostra aos outros - e a morte pode não ser algo tão definitivo quanto soa. A partir daí, vítimas e criminosos passam a confundir os papéis, embaralhando as cartas até o final surpreendente, onde apenas o mais esperto (ou sortudo) sobreviverá.


Em "Gosto de sangue", os irmãos Coen brindam o público com cenas de grande inventividade visual. Se em "Onde os fracos não tem vez" eles surpreenderam a audiência com a ausência de uma trilha sonora, aqui eles se permitem criar uma longa sequência sem diálogos, sublinhando a tensão de uma situação sui generis apenas com a iluminação dos faróis de um carro e o desespero de um dos personagens, que se vê diante de um dilema que somente em seus filmes faz sentido, apesar do inusitado. Com ângulos sempre desenhados de forma a seduzir a plateia e extrair de cada momento a melhor solução visual, a fotografia de Barry Sonnenfeld - que posteriormente passaria à carreira de diretor com os dois capítulos de "A família Addams" - é um componente a mais na execução de uma trama que jamais deixa o espectador descansar das surpresas. A edição ágil - cortesia dos próprios diretores com o pseudônimo de Roderick Jaynes e de Don Wiegmann - e a trilha sonora, repleta de canções típicas da região onde se passa a história, ilustram com ainda mais poder o conto de ganância e luxúria que se desenrola na tela, ainda que o sexo (relativamente discreto) esteja ligado de forma indelével à culpa e à violência que envolve a todos.

Uma das estreias mais alvissareiras da história do cinema, "Gosto de sangue" conquista pela inteligência com que trata seu público. Apresentando uma Frances McDormand bela como nunca -  ela ficou com o papel (a escolhida nos testes, Holly Hunter teve que abandonar o projeto por compromissos teatrais) e com o diretor, com quem casou-se após as filmagens - e um M. Emmet Walsh diabólico no limite da loucura, o filme conta uma história de amor e vingança que passa como um vento avassalador, que destroi a quem estiver no caminho. Uma pequena obra-prima.

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