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OS PICARETAS

OS PICARETAS (Bowfinger, 1999, Universal Pictures, 97min) Direção: Frank Oz. Roteiro: Steve Martin. Fotografia: Ueli Steiger. Montagem: Richard Pearson. Música: David Newman. Figurino: Joseph G. Aulisi. Direção de arte/cenários: Jackson DeGovia/K.C. Fox. Produção executiva: Karen Kehela, Bernie Williams. Produção: Brian Grazer. Elenco: Steve Martin, Eddie Murphy, Heather Graham, Robert Downey Jr., Terence Stamp, Christine Baranski, Jamie Kennedy, Adam Alexi-Malle. Estreia: 13/8/99

Quando o cineasta Frank Oz dirigiu Steve Martin ao lado de Michael Caine em "Os safados" (88) - refilmagem livre de "Dois farristas irresistíveis", com Marlon Brando e David Niven - a comédia norte-americana ganhou um clássico instantâneo, um filme repleto de humor inteligente e irônico que misturava a tradicional fleuma britânica de Caine com a picardia ianque e quase vulgar de Martin. Cineasta ciente dos meandros da comédia - um gênero que frequentemente escorrega no mau-gosto ou simplesmente na falta de graça - Oz voltou a colaborar com Martin em outras ocasiões, como no apenas simpático "Como agarrar um marido", mas foi somente em 1999 que os dois voltaram a acertar a mão juntos. Tendo os bastidores do cinema como pano de fundo e a adição luxuosa de Eddie Murphy ao time vencedor, "Os picaretas" não só fez mais sucesso que os outros filmes de Murphy lançados quase à mesma época - "Até que a fuga nos separe" e "O professor aloprado 2" - como recebeu elogios rasgados da crítica, que encantou-se com a mordacidade carinhosa com que a indústria de Hollywood foi retratada. Recheado de piadas engraçadíssimas, atuações inspiradas e um cinismo irresistível, "Os picaretas" é uma comédia sem contra-indicações.

O próprio Steve Martin escreveu a história de Robert K. Bowfinger, um produtor de filmes B que, decadente e sem perspectivas profissionais imediatas, vê sua grande chance de sair do marasmo quando põe os olhos no roteiro de um amigo, uma ficção científica chamada "Chuva gorda". Entusiasmado com a possibilidade de voltar aos sets de filmagens, ele reúne um grupo de antigos colaboradores - como a dedicada atriz Carol (Christine Baranski) e o leal Dave (Jamie Kennedy) - para levar a novidade adiante, mas percebe que, para conseguir competir como gente grande com produções de orçamentos milionários, precisa necessariamente de um grande astro. Entra em cena, então, Kit Ramsey (Eddie Murphy), um dos mais populares atores do momento: sem que ninguém saiba, Bowfinger resolve filmar o ator em seu dia-a-dia e forçar situações em sua rotina para encaixar no script. Assim, Ramsey - um astro paranoico e mulherengo que acredita estar sendo perseguido por extra-terrestres - entra à sua própria revelia na bagunça, que fica ainda mais complicada com a chegada de um sósia seu, o tímido Jiff (também Murphy), que serve como dublé nas cenas perigosas.


Criando situações cada vez mais insanas e contando com um elenco de personagens hilariantes, Martin fez do roteiro de seu "Os picaretas" uma comédia de muitas risadas, fato raro em uma Hollywood tomada por filmes formulaicos e pouco ousados, que tentam arrancar gargalhadas com piadas sobre fluidos corporais e constrangimentos dos mais variados. Sua trama, reta e simples, busca o humor na identificação com as várias referências (diretas ou não) com o mundo a que retrata - e a graça da piada fica ainda maior quando se sabe de onde ela vem. Daisy, a personagem de Heather Graham, por exemplo, pode ser apenas a ambiciosa moça do interior que sonha em tornar-se atriz e assim vai pulando de cama em cama para conseguir atingir seus objetivos como pode ser uma sátira à Anne Heche, que teve um caso com Martin e ficou famosa no final da década de 90 ao envolver-se com Ellen De Generes. Rindo ainda da moda dos astros em terem um guru espiritual - aqui representado pelo personagem do sempre sinistro Terence Stamp - e do vício em sexo do personagem de Murphy (que encaixou o filme em sua complicada agenda apenas por ser fã de Steve Martin), "Os picaretas" é, ainda, uma homenagem aos que fazem cinema por amor, sendo assim uma espécie de "Ed Wood" - filmaço de Tim Burton sobre o pior diretor de todos os tempos - que não se leva a sério.

Superando de longe a média das comédias lançadas em sua época, "Os picaretas" é uma pérola de humor que consegue ao mesmo tempo ser sofisticado e popular, um equilíbrio raro e louvável conquistado pela experiência de Oz - que recentemente havia marcado outro golaço com o sucesso "Será que ele é?", estrelado por Kevin Kline - e pelo talento de Martin e Eddie Murphy, este último em um de seus melhores trabalhos nas telas. Com um elenco coadjuvante afiadíssimo (com destaque para a sempre incrível Christine Baranski e uma participação especial de Robert Downey Jr. como um executivo da indústria de cinema) e uma história espertíssima que brinca com o cinema e com aqueles que o fazem, não deixa de ser também uma bela homenagem à sétima arte.

2 comentários:

Sylvio de Alencar. disse...

MUITO bom!!!!!

Seu texto é ótimo e verdadeiro, uma pérola!!!

Clenio disse...

Obrigado, Sylvio. Grande abraço!

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