A MISSÃO (The Mission, 1986, Warner Bros, 125min) Direção: Roland Joffé. Roteiro: Robert Bolt. Fotografia: Chris Menges. Montagem: Jim Clark. Música: Ennio Morricone. Figurino: Enrico Sabbatini. Direção de arte/cenários: Stuart Craig. Produção: Fernando Ghia, David Puttnam. Elenco: Robert De Niro, Jeremy Irons, Liam Neeson, Aidan Quinn, Ray McAnally, Cherie Lunghi. Estreia: 16/5/86 (Festival de Cannes)
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Roland Joffé), Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Melhor Fotografia
Vencedor de 2 Golden Globes: Roteiro, Trilha Sonora Original
Palma de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Cannes
Não é à toa que a Igreja Católica tem grande carinho e admiração por "A missão", a ponto de colocá-lo frequentemente em listas dos melhores filmes religiosos de todos os tempos: ao romantizar a exploração jesuíta entre indígenas do século XVIII e torná-la menos violenta e colonizadora do que realmente foi, a produção dirigida por Roland Joffé elege, como um de seus heroicos protagonistas, um padre espanhol dedicado e corajoso, capaz de qualquer sacrifício para proteger seus pupilos - inclusive opor-se com veemência contra o reino de Portugal, que se torna seu maior inimigo. No entanto, se como História o filme pode ser questionado em sua visão um tanto simplista, como cinema é um filme de enormes qualidades - qualidades estas que lhe renderam a Palma de Ouro no Festival de Cannes 86 (além do Grande Prêmio do Júri) e sete indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e direção. Uma produção imponente, séria e adulta, "A missão" comprova a tendência de seu diretor em tratar de temas relevantes e socialmente interessantes - a despeito de seu potencial comercial. Prova disso é a renda do filme no mercado doméstico (EUA e Canadá): apenas 17 milhões de dólares, uma renda que não pagou nem mesmo o custo total da produção. Seu relativo fracasso não chega a ser surpreendente: em uma época em que as salas de cinema lotavam de espectadores dispostos a aplaudir superproduções caras como "Aliens: o resgate" ou despretensiosas como "Crocodilo Dundee", o filme de Joffé surgiu como uma opção "difícil" e "densa", mirando um público mais sofisticado - que também não lhe deu a atenção devida, preferindo, assim como a Academia, o Vietnã de Oliver Stone, em "Platoon".
"A missão" é um grande filme, valorizado pela direção segura de Joffé, pela belíssima fotografia de Chris Menges (premiada com o Oscar), pela trilha sonora arrebatadora de Ennio Morricone - e pela presença magnética de Robert De Niro e Jeremy Irons nos papéis principais. O primeiro interpreta (com toda a carga dramática com que o público já está acostumado) Rodrigo Mendoza, um conhecido caçador de indígenas - a quem captura para vender como escravos na colônia onde vive, na América do Sul do século XVIII. Irons vive o Padre Gabriel, jesuíta que tem como objetivo de vida catequizar os mesmos índios caçados por Mendoza. O caminho dos dois se cruza quando o caçador, depois de uma tragédia familiar, procura abrigo nas missões comandadas pelo sacerdote: convertido ao catolicismo, ele se torna parte integrante da companhia, convivendo com religiosos e seus catequizandos - até que a Espanha vende o território onde eles trabalham para Portugal e os obriga a pegar em armas para defender a continuidade de seu projeto.
O roteiro de Robert Bolt se divide claramente em três capítulos, cada um com ritmo e desenvolvimento próprios. A primeira parte apresenta os protagonistas, sem muitos diálogos e concentrando seu foco em imagens fortes e poderosas, que estabelecem a personalidade dos personagens e sua relação com o meio em que vivem. Essa primeira etapa acaba quando Mendoza abandona a vida de caçador de escravos para tentar encontrar uma redenção espiritual - e para isso conta com o apoio de Gabriel, outros padres e a comunidade jesuítica fundada por ele. O terceiro capítulo é o mais intenso: confrontados com a possibilidade de perder tudo que foi construído até então, os dois homens tão diferentes entre si se unem - um com a palavra, o outro com a ação - para defender o que acreditam ser um bem maior. Mesmo a violência que surge a partir daí parece sagrada e justificável - e da maneira como é mostrada por Joffé, até poética.
Questões históricas e éticas à parte - é discutível o benefício das missões jesuíticas em termos de colonização, nem sempre tão pacífica como mostrada no filme -, "A missão" funciona perfeitamente como cinema. Roland Joffé é um cineasta que sabe emocionar sem soar panfletário ou melodramático, e essa característica é essencial para que o espectador não se sinta manipulado diante de uma história que já é poderosa por si mesma. O tom quase seco do diretor torna o resultado final menos impactante dramaticamente (a quem já está acostumado a catarses gigantescas e pirotécnicas), mas ressoa com muito mais potência na alma do público. Ao mostrar dois protagonistas tão opostos, o roteiro acerta em cheio, especialmente porque seus atores estão no auge do talento e da maturidade artística - De Niro já tinha dois Oscar em casa e Irons levaria o seu poucos anos mais tarde - e porque não há, entre eles, a busca pelo brilho fácil ou previsível. Assim como fez com Sam Waterston Haing S. Ngor em "Os gritos do silêncio" - uma dupla improvável que se completa ao encontrar uma missão na vida -, Joffé deu a seus dois atores principais a chance de fugir do óbvio e do já visto. Por essas e outras é que seu filme acaba sendo uma experiência tão gratificante e inesquecível!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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