terça-feira

UMA MULHER DESCASADA

UMA MULHER DESCASADA (An unmarried woman, 1978, 20th Century Fox, 124min) Direção e roteiro: Paul Mazursky. Fotografia: Arthur Ornitz. Montagem: Stuart H. Pappé. Música: Bill Conti. Figurino: Albert Wolsky. Direção de arte/cenários: Pato Guzman/Edward Stewart. Produção: Paul Mazursky, Tony Ray. Elenco: Jill Clayburgh, Alan Bates, Michael Murphy, Lisa Lucas, Cliff Gorman, Pat Quinn, Kelly Bishop, Linda Miller, Raymond J. Barry. Estreia: 05/3/78

3 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz (Jill Clayburgh), Roteiro Original
Palma de Ouro (Melhor Atriz) no Festival de Cannes - Jill Clayburgh 

No final dos anos 1970, as definições de família tradicional já estavam em acelerada mudança, assim como o papel das mulheres dentro da sociedade e do mercado de trabalho. Os dias em que apenas os homens eram os provedores e às mulheres cabia a administração da casa e a educação dos filhos começavam a desvanecer frente a novos conceitos de relação e configurações mais diversas de núcleo familiar. Em 1979, por exemplo, Robert Benton saiu da cerimônia do Oscar carregado de estatuetas por "Kramer X Kramer", que tratava exatamente deste novo panorama social. Um ano antes, porém, outro filme se antecipou ao tema - e se não chegou a consagrar-se vencedor, apesar de três importantes indicações, abriu as portas para a discussão de um assunto que estava no ar, esperando uma chance de ganhar a devida atenção. Escrito, dirigido e produzido por Paul Mazursky, "Uma mulher descasada" concorreu aos Oscar de melhor filme, roteiro original e atriz - e se Jill Clayburgh perdeu o prêmio para Jane Fonda, por "Amargo regresso" (que tratava de outro assunto tabu na época, a guerra do Vietnã), teve melhor sorte no Festival de Cannes, de onde saiu laureada com a Palma de Ouro.

A premiação de Clayburgh em Cannes, assim como suas indicações ao Oscar, ao Golden Globe e ao BAFTA, são homenagens a uma interpretação naturalista, discreta e radicalmente próxima das experiências da plateia. Em um papel escrito especialmente para ela pelo roteirista/diretor Mazursky - mas que chegou a ser oferecido a (e devidamente recusado por) Jane Fonda -, a atriz, que voltou a concorrer ao Oscar no ano seguinte, por "Encontros e desencontros" e faleceu em 2010, entrega um desempenho memorável, mas calcado em uma extrema sutileza e economia. Até mesmo na mais visceral das cenas, não há o tradicional escândalo e as previsíveis lágrimas em excesso - tudo é calculado de forma a buscar a empatia do público através da identificação imediata e emocional. Com diálogos certeiros e recheados de um inesperado senso de humor, o roteiro de Mazursky convida o espectador a acompanhar sua protagonista por um caminho de autoconhecimento mental, sexual e comportamental que retrata, à sua maneira, um período específico dos EUA e, ao mesmo tempo, de uma universalidade admirável. Sem ambicionar nada mais do que contar uma boa história, "Uma mulher descasada" acabou por tornar-se uma obra capaz de, como poucos, definir sua época.


Tudo bem que a ambientação do filme seja glamorosa e os personagens desfilem pelas ruas charmosas de Nova York e frequentem galerias de arte, bares da moda e boates sofisticadas. Seus sentimentos são universais e encontram eco em qualquer pessoa que já tenha passado por situações similares. Tudo bem que Erica, a protagonista, não precisa preocupar-se em sustentar sozinha a filha adolescente ou procurar um lugar para morar depois que o marido, Martin (Michael Murphy), a troca por uma mulher mais jovem. E tudo bem que ela encontra suporte no grupo de amigas e tem dinheiro o bastante para contar com a ajuda de uma terapeuta. Mas a essência do trauma e suas consequências são as mesmas pelas quais passam quaisquer mulheres, independentes de classe social, raça ou geografia. Sim, nem todas tem condições de buscar o tempo perdido em termos sexuais se relacionando casualmente com conhecidos ou se envolvendo com um artista internacional, como Saul (Alan Bates), mas a procura pela ressurreição do desejo e da autoestima encontra espelho mesmo na mais simples alma feminina. Nesse ponto, é notável o talento de Mazursky em compreender os meandros da psicologia do sexo oposto - o que justifica sua indicação ao Oscar de roteiro original mesmo tendo ficado de fora da disputa pela estatueta de diretor.

Se em "Kramer X Kramer" era o marido interpretado por Dustin Hoffman o surpreendido por um pedido de divórcio - pela esposa Meryl Streep, buscando uma identidade profissional que o casamento não lhe permitia -, em "Uma mulher descasada", como o título deixa óbvio, é a esposa quem leva um choque. Erica, a protagonista, acreditava viver um casamento seguro e sem sobressaltos - tinha um bom emprego e uma relação saudável com a filha adolescente. Quando a bomba é detonada - seu marido Martin revela estar apaixonado por outra mulher e lhe pede o divórcio -, a ela resta apenas juntar os cacos, divertir-se ao lado das amigas e, mesmo atônita com a surpresa, não se deixar levar pelo pessimismo e pelo medo do futuro. Enquanto faz as pazes com o corpo, a sexualidade e sua capacidade de viver sozinha, ela encontra em si mesma a força necessária para recomeçar a vida - com ou sem um parceiro a seu lado. Feminista mas não radical e tampouco didático ou simplório, "Uma mulher descasada" é um filme que, mesmo tantos anos depois de seu lançamento, ainda é um exemplo de como o cinema pode ser eterno mesmo quando não se deixa contagiar por gigantismos ou exageros. Paul Mazursky fez, à sua maneira, uma produção hollywoodiana com alma de cinema francês. Um elogio e tanto!

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