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SATURNO EM OPOSIÇÃO

SATURNO EM OPOSIÇÃO (Saturno contro, 2007, Medusa Film, 110min) Direção: Ferzan Ozpetek. Roteiro: Ferzan Ozpetek, Gianni Romoli. Fotografia: Gian Fillippo Corticelli. Montagem: Patrizio Marone. Música: Giovanni Pellino "Neffa". Figurino: Alessandro Lai. Direção de arte/cenários: Massimiliano Nocente. Produção: Tilde Corsi, Gianni Romoli. Elenco: Stefano Accorsi, Margherita Buy, Piefrancesco Favino, Serra Yilmaz, Ennio Fantastichini, Ambra Angiolini, Luca Argentero, Michelangelo Tommaso, Milena Vukotic, Luigi Diberti, Lunetta Savino, Isabella Ferrari. Estreia: 23/02/07

Por nome talvez os espectadores não saibam logo de saída quem é Ferzan Ozpetek. Basta, porém, citar alguns de seus filmes para que os cinéfilos mais antenados com a produção italiana do começo do século XXI percebam de quem se está falando. Diretor de "Um amor quase perfeito" (2001), "A janela da frente" (2003) e "O primeiro que disse" (2010), entre outros menos conhecidos, o turco radicado na Itália é um dos nomes mais relevantes do novo cinema europeu - mesmo que nunca tenha tido a sorte de, por exemplo, chegar a ser indicado a um Oscar. Premiado em diversos festivais de cinema mundo afora, Ozpetek é um cineasta com características marcantes (personagens complexos, histórias que valorizam a amizade como uma forma de família, a simpatia pela comunidade LGBT) e elas ficam bastante claras em "Saturno em oposição", seu sexto longa-metragem, lançado em 2007 e que reúne o trio de atores de seu "Um amor quase perfeito" (Stefano Accorsi, Margherita Buy e Serra Yilmaz). Uma bela história sobre laços afetivos e luto, seu filme arrebatou sete indicações ao David di Donatello (o Oscar italiano) e, apesar da pouca repercussão no Brasil, é mais um pequeno grande filme do diretor.

Sua trama, como de costume, é simples e direta - o que não significa, de modo algum, que é simplória ou superficial: sem um protagonista específico, ela gira em torno de um grupo de amigos que, confrontados com a efemeridade da vida, são obrigados a rever seus conceitos e prioridades - assim como seus próprios relacionamentos interpessoais. Se algum dos personagens pode ser considerado o principal, este é Lorenzo (Luca Argentero), um jovem bonito e saudável que vive feliz com o namorado, o escritor Davide (Pierfrancesco Favino), e está em franca ascensão profissional. De repente, em meio a um jantar oferecido ao tradicional grupo de amigos, ele sofre um derrame cerebral e se torna o centro das atenções de todos - que deixam seus problemas de lado para se revezarem no hospital, enquanto lidam com suas próprias questões. Antonio (Stefano Accorsi) e Angelica (Margherita Buy), um casal aparentemente feliz, se descobre em meio a um tumultuado caso de adultério; a tradutora Nerval (Serra Yilmaz) tenta manter a união de todos e a paz de seu casamento com o policial Roberto (Fillipo Timi); o ex-namorado de Davide, Sergio (Ennio Fantastachini), mantém a amizade com o novo casal; os mais jovens, Paolo (Michelangelo Tommaso) - um aspirante a escritor - e Roberta (Ambra Angiolini), envolvida com drogas, testemunham os embates dos mais velhos; e Davide enfrenta o conservador pai de Lorenzo, Vittorio (Luigi Diberti), que não aceita totalmente a orientação sexual do filho único.


Dividindo sua atenção entre todos os seus personagens - com um pouco mais de ênfase no casal Antonio e Angelica, que se sobressaem também pelo carisma de seus intérpretes -, Ferzan Ozpetek brinda o espectador com cenas de uma delicadeza ímpar, nunca apelando para o sentimentalismo exagerado ou o caminho mais fácil. Ao dotar suas criações com uma série de nuances que os afastam do maniqueísmo, o diretor e roteirista permite aos atores que explorem com menos pressa e avidez o âmago de cada um deles. Ozpetek é mestre em trabalhar com sutilezas, como um olhar triste, um sorriso esperançoso, um abraço redentor, e faz isso com abundância, recheando de calor humano uma história que apresenta, em sua origem, poucas novidades. "Saturno em oposição" é, mais do que um filme de trama forte, uma obra de personagens interessantes e situações verossímeis, que encontram eco no público justamente por sua simplicidade aparente. Com o uso adequado da trilha sonora - comovente e eficaz em sua função de ilustrar passagens que exigem uma emoção mais forte - e um respeito absoluto pela humanidade de cada um (na tela e na plateia), o filme de Ozpetek faz parte de um tipo cada vez mais raro de cinema: aquele que retrata e embeleza o cotidiano.

Todos os problemas dos personagens de "Saturno em oposição" são graves - em níveis distintos e em graus maiores ou menores, mas definitivamente graves. Doença, morte, adultério, uso de drogas, problemas financeiros e o medo do fracasso atormentam sem descanso o grupo de amigos. Mas o roteiro faz questão de nem dourar a pílula e fazê-los de resolução milagrosa nem tampouco torná-los impossíveis de contornar. Oferecendo uma boa dose de generosidade a todos, Ferzan Ozpetek parece acenar com um gesto de esperança para cada um deles - e consequentemente também para o espectador. Em alguns momentos pode ser difícil segurar as lágrimas, mas no final das contas, o filme deixa claro que a amizade, a união e o respeito podem fazer grande diferença - não milagres, mas a quantidade necessária de conforto e carinho para que se possa manter a espinha ereta e o coração tranquilo. Mais uma vez acertando em cheio na emoção e na sensibilidade, Ozpetek se torna, com "Saturno em oposição", um diretor indispensável.

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