quinta-feira

TOTALMENTE SELVAGEM

TOTALMENTE SELVAGEM (Something wild, 1986, Orion Pictures, 113min) Direção: Jonathan Demme. Roteiro: E. Max Frye. Fotografia: Tak Fujimoto. Montagem: Craig McKay. Música: Laurie Anderson, John Cale. Figurino: Norma Moriceau. Direção de arte/cenários: Norma Moriceau/Billy Reynolds. Produção executiva: Edward Saxon. Produção: Jonathan Demme, Kenneth Utt. Elenco: Jeff Daniels, Melanie Griffith, Ray Liotta, Margaret Colin. Estreia: 07/11/86

Menos de uma semana. Em uma indústria onde roteiros podem passar anos (e até décadas) no limbo, à espera de uma chance de chegar às telas, esse foi o tempo que levou para que um estudante de Cinema chamado E. Max Frye visse a amalucada história que havia escrito receber o sinal verde da Orion Pictures. Mais admirável ainda, o cineasta Jonathan Demme - já conhecido pelo oscarizado "Melvin e Howard" (1980) - não demorou mais do 24 horas para comprometer-se com o projeto, que por pouco não contou com Kevin Kline (então já conhecido por filmes como "A escolha de Sofia" e "O reencontro") no papel principal. Uma mistura de comédia romântica, road movie e filme de suspense, "Totalmente selvagem" caiu como uma luva no estilo quase anárquico de Demme, deu espaço a uma iniciante Melanie Griffith (revelada por Brian DePalma em "Dublé de corpo", de 1984) e conquistou a crítica arrebatando três indicações ao Golden Globe: ator e atriz em comédia/musical (para Jeff Daniels e Melanie) e ator coadjuvante (para Ray Liotta). Irreverente, inovador e irresistível, também direcionou o cineasta para um maior reconhecimento do grande público - o que acabaria por levá-lo a "De caso com a máfia" (1988) e ao enorme sucesso de "O silêncio dos inocentes" (1991).

O filme começa com uma canção original de David Byrne e logo leva o espectador a um café, onde é apresentado a Charles Driggs (Jeff Daniels), um executivo certinho cujas maior contravenção é sair sem pagar por suas refeições. Durante uma dessas travessuras, ele é surpreendido por Lulu (Melanie Griffith, de peruca chanel preta que remete à outra Lulu das telas, a Louise Brooks de "A caixa de Pandora", dirigido por G. W. Pabst em 1929). Sensual, bem-humorada e de espírito livre, Lulu oferece carona ao novo amigo - e ele logo se descobre sequestrado pela desconhecida, que o leva para um motel, o acorrenta à cama e o faz descobrir o prazer da irresponsabilidade. Avisando ao chefe que irá faltar ao trabalho, Charles aceita viajar com Lulu para sua cidade natal e ser apresentado à sua mãe como seu marido. Cada vez mais surpreso e encantado pela garota, Charles a acompanha à festa de reunião dos colegas de escola - e é lá que a aventura toma rumos inesperados, quando o ex-presidiário Ray (Ray Liotta), que acaba de sair da prisão, deixa bem claro que quer reconstruir o casamento a qualquer custo.


Subvertendo completamente o tom leve e descompromissado de seus dois primeiros terços - que lembram a premissa inicial do ótimo "Depois de horas" (1984), dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Griffin Dunne e Rosana Arquette - a reta final de "Totalmente selvagem" conduz o público por um caminho violento e imprevisível, que oferece a Ray Liotta a chance de criar um vilão memorável - e que lhe rendeu o prêmio de melhor ator coadjuvante do ano pelos críticos de Boston. Seu Ray Sinclair (a princípio amigável e posteriormente um pesadelo em forma de ex-marido) é o ponto de virada no roteiro, revelando ao espectador (e aos demais personagens) verdades até então disfarçadas ou escondidas e empurrando o filme em direção a um perigoso abismo. Com uma segurança ímpar, Jonathan Demme não deixa o ritmo ou a coerência saírem dos trilhos, e substitui a trilha sonora vibrante do começo da narrativa por uma escolha acertada de ritmos mais sombrios, conforme a aventura de Charles e Lulu - já loura, frágil e traumatizada - em uma viagem de montanha-russa, repleta de momentos divertidos e situações arriscadas.

O elenco, além da revelação de Liotta - antes mesmo de seu melhor desempenho, como protagonista de "Os bons companheiros" (1990) -, cumpre com louvor a missão de entreter o público e dar veracidade à armadilhas criadas pelo roteiro. Melanie Griffith está talvez em seu melhor momento na carreira (melhor até do que em sua atuação indicada ao Oscar, por "Uma secretária de futuro", de 1988), convencendo tanto como a despudorada Lulu quanto sua personalidade mais submissa e doce, Audrey. Jeff Daniels, recém saído do sucesso de "A Rosa Púrpura do Cairo" (1985), de Woody Allen, aproveita com unhas e dentes a chance de mostrar seu timing cômico, seu lado galã sexy e seus dotes como herói - e apresenta uma química e tanto com Melanie. Como bônus, Jonathan Demme ainda dá pequenos papéis para cineastas independentes e cultuados, como John Waters e John Sayles, além de uma cena com a banda The Feelies, que anima a festa de reencontro dos amigos de Lulu/Audrey. Uma produção despretensiosa e simpática, "Totalmente selvagem" ainda tem a ousadia (dentro do universo do cinema menos comercial), de apresentar um final feliz à sua maneira - mostrando que, no fundo, Demme era um romântico, ainda que seu romantismo se apresentasse de forma pouco óbvia. Uma pérola dos anos 80

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