PASTORAL AMERICANA (American pastoral, 2015, Lakeshore Entertainment, 108min) Direção: Ewan McGregor. Roteiro: John Romano, romance de Philip Roth. Fotografia: Martin Ruhe. Montagem: Melissa Kent. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Lindsay Ann McKay. Direção de arte/cenários: Daniel B. Clancy/Jason Shumaker, Julie Smith. Produção executiva: Qiuyun Long, Terry A. McKay, Eric Reid. Produção: Andre Lamal, Gary Lucchesi, Tom Rosenberg. Elenco: Ewan McGregor, Jennifer Connelly, Dakota Fanning, Peter Riegert, Rupert Evans, Uzo Aduba, Molly Parker, Samantha Mathis, David Strathairn. Estreia: 09/9/16 (Festival de Toronto)
Não deixa de ser estranho que o filme de estreia de Ewan McGregor na direção de longa-metragens seja algo tão denso quanto "Pastoral americana": revelado por Danny Boyle em produções celebradas principalmente por seu senso de humor inconoclasta, como "Cova rasa" e "Trainspotting: sem limites", McGregor jamais abandonou suas raízes independentes, mesmo quando se jogava sem medo em superproduções hollywoodianas, como a saga "Star Wars" ou o musical "Moulin Rouge: o amor em vermelho" (2001), seus maiores sucessos comerciais. Mas sua escolha em contar uma história tão profundamente arraigada aos conflitos do american way of life, adaptada de um romance do consagrado Philip Roth, vencedor do Pulitzer em 1998, demonstra uma sensibilidade em relação ao âmago do núcleo tradicional da família americana que nem todo cineasta ianque consegue ter. Com uma narrativa clássica e discreta, McGregor tem a inteligência de não querer uma direção que se sobressaia à trama - e acaba entregando um potente drama, escorado em seus atores e em um roteiro que não trai o legado de Roth em sua investigação sobre a personalidade humana.
Na verdade, McGregor não era a primeira escolha para o filme - nem como diretor e nem como ator. Quando o projeto original foi cancelado, em 2004, o diretor escolhido era Philip Noyce, em um momento feliz de sua carreira, depois do sucesso de seu "O americano tranquilo" (2002), baseado no livro de Graham Greene, e que havia rendido uma indicação ao Oscar de melhor ator para Michael Caine. Nessa versão, o casal central da história seria um casal também da vida real, Paul Bettany e Jennifer Connelly, com Evan Rachel Wood no papel da filha rebelde (uma especialidade da atriz, revelada no excelente "Aos treze", de 2003). Anos haviam se passado no desenvolvimento da ideia de realizar o filme quando o cancelamento acabou, e somente uma década depois, ele voltaria a ser considerado - dessa vez já com McGregor como diretor e no papel principal masculino. Jennifer Connelly continuou no elenco mesmo sem o marido como colega de cena, e a talentosa Dakota Fanning foi chamada para viver sua problemática filha, Merry. Com um trio talentoso como esse - mais a música de Alexandre Desplat e a participação especial de David Straithairn - não tinha mesmo como dar errado. E, apesar do pouco caso com que foi recebido nas bilheterias e até mesmo por parte da crítica, não deu mesmo. "Pastoral americana" é um drama forte, visceral e relevante, que aponta para McGregor uma nova e surpreendente carreira.
De forma contundente e melancólica, "Pastoral americana" destrói a ilusão de uma família perfeita - quase como Sam Mendes fez em "Foi apenas um sonho" (2008), também baseado em um livro, escrito por Sam Yates. McGregor interpreta Seymour Levov, mais conhecido como Swede, um americano judeu que é o retrato do sucesso: atleta cobiçado na universidade, casou-se com a bela Dawn (Jennifer Connelly), uma rainha de beleza igualmente desejada, e, com a chegada da vida adulta, assumiu o comando da bem-sucedida fábrica de luvas criada pelo pai. Dono de uma bela casa em Nova Jersey, profissionalmente satisfeito, com uma esposa exemplar e uma bela e loura filha (cujo único problema é a gagueira), Swede parece só ter motivos para agradecer - até que sua adorável filha passa a tornar-se irreconhecível a seus olhos: politicamente afetada pelos problemas sociais ao seu redor, Merry simplesmente desaparece depois de ser acusada de plantar uma bomba em uma propriedade privada. Desnorteados, seus pais iniciam uma busca não apenas por seu paradeiro, mas também por uma forma de reencaixá-la em sua vida pacífica e, até então, quase banal. Dawn embarca em um processo de negação que a leva às raias da loucura, enquanto Swede tenta manter o equilíbrio emocional para não permitir o desmoronamento absoluto de seu universo perfeito.
McGregor acerta na direção de atores, o que não é pouca coisa quando se trata de um estreante. Ao mesmo tempo em que consegue manter-se discreto no papel de Swede - que é, ao mesmo tempo um observador do redemoinho à sua volta e um ativo participante da tragédia que o envolve -, o ator extrai de suas colegas de cena performances carregadas de sentimento e dor. Jennifer Connelly, linda como nunca, sai-se muito bem tanto na juventude quanto na maturidade, entregando alguns momentos de melancolia explícita de cortar o coração; e Dakota Fanning - revelada ainda criança em "Uma lição de amor" (2001), onde fazia a filha de Sean Penn - comprova que seu talento não era questão de sorte de principiante: no difícil papel da rebelde e problemática Merry, a jovem se encarrega de dar luz a ideias e princípios que batem de frente com o pensamento político médio dos EUA, e oferece um contraponto radical à lucidez cega de sua família. Os três estão sensacionais - e inundam o filme de sentimento, dor e amor incondicional. Um belíssimo trabalho de estreia de Ewan McGregor - e que seja o primeiro de muitos.
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sábado
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