TE
AMAREI ATÉ TE MATAR (I love you to death, TriStar Pictures, 97min)
Direção: Lawrence Kasdan. Roteiro: John Kostmayer. Fotografia: Owen
Roizman. Montagem: Anne V. Coates. Música: James Horner. Figurino: Aggie
Guerard Rodgers. Direção de arte/cenários: Lilly Kilvert/Cricket
Rowland. Produção executiva: Michael Grillo, Charles Okun. Produção:
Jeffrey Lurie, Ron Moller. Elenco: Kevin Kline, Tracey Ullman, Joan
Plowright, River Phoenix, William Hurt, Keanu Reeves, Phoebe Cates,
Heather Graham. Estreia: 06/4/90
Joey Boca é um
italiano simpático, bem-humorado e extrovertido. Dono de uma pizzaria do
Brooklyn que leva seu nome - e tem na parede reproduções de Cristo, do
presidente e de Frank Sinatra - e pai de família aparentemente
respeitável, ele tem, no entanto, um defeito irrecuperável: não pode ver
um rabo-de-saia sem que seus hormônios latinos não entrem em ebulição.
Suas constantes escapadas sexuais são de conhecimento de toda a
vizinhança, mas de certa forma ignorados por sua cara-metade, a paciente
Rosalee - que tampouco percebe a paixão que desperta em Devo, jovem
funcionário da pizzaria com idade para ser seu filho. Levemente
machista, quase cafajeste e acintosamente sedutor, Joey Bocca é o
protagonista de "Te amarei até te matar", uma comédia de humor negro
dirigida pelo mesmo Lawrence Kasdan dos seríssimos "Corpos ardentes"
(81), "O reencontro" (83) e "O turista acidental" (88). Mas se o nome de
Kasdan não deixa de ser uma surpresa por trás de um filme tão atípico
em sua cinematografia, é o nome do protagonista que surpreende ainda
mais: na pele de um personagem tão explicitamente cômico que beira o
histriônico está Kevin Kline, o mesmo homem que interpretou o torturado
amante judeu de Meryl Streep em "A escolha de Sofia" (82) e o jornalista
sul-africano que fugiu de seu país de origem para denunciar as
atrocidades do apartheid de "Um grito de liberdade" (87). Ou seja, nada
mais distante da imagem que se esperaria de um ator que vive tão
intensamente alguém chamado Joey Bocca.
Tudo bem que o
público de cinema já sabia dos dotes cômicos de Kline, que ganhou seu
Oscar de coadjuvante na pele do atrapalhado, ciumento e levemente
demente Otto no sucesso "Um peixe chamado Wanda" (88). Mas, sabendo-se
que o ator tem uma formação clássica, shakespereana e dramática, não
deixa de ser refrescante perceber o quão versátil ele pode ser. E é
graças a seu talento imenso e seu carisma que Bocca não se transforma,
no decorrer do filme de Kasdan - com quem ele já havia trabalhando em "O
reencontro" e no western "Silverado" (84) - em um personagem antipático
ou uma aberração criada unicamente com fins burlescos. Mesmo inspirado
em um caso real ocorrido na Pensilvânia em 1984, o roteiro de John
Kostmayer (de estrutura levemente teatral, em especial em seu terceiro
ato) está a um passo do exagero e do inverossímil, com seus
acontecimentos constantemente desafiando o público a embarcar em uma
história tão inacreditável quanto deliciosamente insana. E se consegue o
grande feito de fazer rir com seu alto grau de nonsense, o mérito deve
ser dividido entre Kline (fantástico em cada cena), Kasdan (demonstrando
um domínio até então desconhecido do timing da comédia) e o elenco
coadjuvante, que consegue misturar sem efeitos colaterais a veterana dos
palcos Joan Plowright (que ficou viúva de Laurence Olivier durante as
filmagens), a estrela da TV Tracey Ullman, o colaborador habitual do
diretor, William Hurt (também surpreendendo em papel menos sério do que o
habitual) e dois jovens atores então em início de carreira, River
Phoenix e Keanu Reeves.
A
trama de "Te amarei até te matar" é, conforme afirmado antes, um primor
de nonsense. Tudo começa de verdade quando Rosalee (Ullman) descobre
uma traição do marido Joey Bocca e, como boa católica, prefere
assassiná-lo a ter que encarar um divórcio. Contando com a ajuda de sua
mãe, Nadja (Joan Plowright, sempre prestes a roubar a cena), que
despreza o genro, e o jovem Devo (Phoenix), que mantém por ela um paixão
assumida, ela resolve dar cabo do pizzaiolo. Depois de uma primeira
tentativa frustrada pela ojeriza do rapaz a qualquer tipo de violência e
do fracasso em matar Bocca com uma overdose de comprimidos para dormir,
eles contratam uma dupla de drogados, Harlan (Hurt) e Marlon (Reeves)
para resolver o problema: a questão passa a ser, então, a inacreditável
resistência da vítima, que sobrevive a todos os atentados contra a sua
vida, para surpresa (e pânico) dos pretensos criminosos.
Engraçadíssimo
como poucos filmes americanos da década de 80 conseguiram ser sem
apelar para o besteirol desvairado dos irmãos Zucker e de Jim Abrahams,
"Te amarei até te matar" ainda tem a vantagem de arrancar gargalhadas
tanto por seu humor visual e o absurdo de sua trama quanto por seus
diálogos, banhados em ironia e sarcasmo. Equilibrando o tom na tênue
linha entre o caricato e o divertido de Kevin Kline, o texto de
Kostmayer brinda o espectador com momentos de grande inteligência verbal
(o encontro da polícia com o "corpo" de Bocca em sua cama, por exemplo,
é sensacional) e com sequências do mais puro vaudeville (como a
conversa entre Harlan e Marlon diante de uma provável vítima anestesiada
de pílulas para dormir e prestes a ser morto). É um filme rápido,
conciso e extremamente eficiente que comprova Kasdan como um dos grandes
cineastas pouco reconhecidos do cinema americano.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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Um comentário:
Quero tanto assistir esse filme, mas não encontro em lugar algum.
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