O
AMANTE (L'amant/The lover, 1992, Films A2, 115min) Direção:
Jean-Jacques Annaud. Roteiro: Gérard Brach, Jean-Jacques Annaud, romance
de Marguerite Duras. Fotografia: Robert Fraisse. Montagem: Noelle
Boisson. Música: Gabriel Yared. Figurino: Yvonne Sassinot de Nesle.
Direção de arte/cenários: Hoang Thanh At. Produção: Claude Berri.
Elenco: Tony Leung, Jane March, Fréderique Meininger. Estreia: 22/01/92
(França)
Indicado ao Oscar de Fotografia
Nada
como um bom escândalo movido a sexo para fazer com que um filme de
interesse restrito - a saber, sem cenas de ação, sem astros milionários,
desatrelado a qualquer personagem facilmente reconhecível nos cartazes
ou orçamentos anabolizados - se torne manchete e, consequentemente,
encha as salas de exibição (e posteriormente saia à procura do vídeo
para locação). Sabendo dessa verdade absoluta, o veterano cineasta
Jean-Jacques Annaud não brincou em serviço: espalhou aos quatro ventos
que as tórridas cenas de sexo de seu novo filme, a adaptação de um
romance autobiográfico da escritora Marguerite Duras, foram levadas às
últimas consequências em pleno set de filmagens. Não demorou para que
tal afirmação se tornasse o centro das discussões a respeito do filme,
que, graças à polêmica, fez mais sucesso do que teria feito sem o apelo
de um boato bem divulgado. Boato, sim, afinal de contas. O próprio
Annaud - que tinha no currículo filmes como "O nome da rosa" (85) e "O
urso" (89) - desmentiu o que havia dito logo depois, para alívio de sua
protagonista, a adolescente Jane March, que sofreu na pele as
consequências de uma estreia tão alvissareira.
Segundo
lendas que corriam nos bastidores - todas devidamente divulgadas à
imprensa, com o objetivo lógico de atiçar a curiosidade dos espectadores
- March, à época do começo da produção, ainda era virgem e, para dar
conta das cenas com o ator Tony Leung, precisou recorrer a um namorado
para estar apta a tais sequências. Tão logo as fofocas começaram a
pipocar, no entanto, a jovem percebeu que vida de estrela de cinema tem
muitos deméritos e fugiu do assédio, em companhia da família, tão
perturbada quanto ela com a dimensão dos acontecimentos - pelo menos até
estrear no cinemão comercial americano com o fraquíssimo thriller "A
cor da noite", cujo maior atrativo eram (pasmem!!) cenas de sexo com
Bruce Willis.... Mas, afinal de contas, apesar de todo o bafafá e todo
os boatos, "O amante" é um bom filme ou apenas mais uma produção que
pegou carona na controvérsia para lucrar? Felizmente para o público que
gosta de bom cinema, a resposta é positiva: além das cenas eróticas
(bastante quentes, mas jamais vulgares ou apelativas), o filme de Annaud
tem muito mais a oferecer, tanto em termos visuais quanto emocionais.
A
cargo do experiente Robert Fraisse - que arrebatou a única indicação ao
Oscar do filme - a fotografia de "O amante" emoldura uma história de
amor e lascívia que envolve o espectador gradualmente, como um romance
bem escrito. Não à toa, Marguerite Duras, a autora do livro que lhe deu
origem, também escreveu os poéticos diálogos do clássico "Hiroshima, meu
amor", de Alain Resnais: em ambos a descrição dos atos de amor se
sobrepõem a imagens delicadas, sensuais e românticas na medida certa. A
narração em off de Jeanne Moureau (um trunfo bem utilizado pelo
cineasta) acrescenta camadas distintas à história contada, sublinhando a
dubiedade da relação entre os protagonistas, sempre caminhando na tênue
linha entre a paixão e o interesse (financeiro por parte dela, físico
por parte dele). Para isso conta muito o rosto impassível de Jane March,
uma tábula rasa onde o diretor pode pintar diferentes emoções sem que
seja preciso apelar para longas conversas explicativas. Sua personagem -
cujo nome nunca é citado - é uma adolescente de quinze anos que mora em
um pensionato de Saigon (no Vietnã de 1929, colonizado pela França) e
tem uma relação problemática com a família, em especial com o irmão mais
velho, viciado em ópio. De origem humilde, ela conhece, durante a
travessia de barco que a leva da casa da mãe para sua escola, um chinês
mais velho e rico (Tony Leung), que acaba se tornando seu amante - em
tardes passadas em uma casa no centro da cidade.
O
relacionamento entre os protagonistas não é fácil: além das diferenças
sociais e monetárias (ele chega a pagar por seus encontros com a jovem, o
que também dá à relação um caráter um tanto ambíguo que cheira à
prostituição de luxo) existe o fato do rapaz ter um casamento arranjado
com outra mulher, o que os impede, mesmo que quisessem, de levar adiante
o que havia começado como um romance casual. O preconceito racial
também entra no pacote dos problemas, já que se trata de um casal
formado por um chinês e uma branca, o que, na época, era algo impensável
para uma sociedade tão racista. Esse painel de empecilhos, mais as
personalidades difíceis dos protagonistas (ele chega a batê-la em um
acesso de ciúmes, antes de levá-la pra cama) constituem o teor do filme
de Annaud, uma análise séria e - por que não? - romântica de um caso de
amor muito mais repleto de nuances do que simplesmente sexo e dinheiro. É
uma história adulta, contada sem pressa, com delicadeza e um bela
trilha sonora de Gabriel Yared. O sexo é apenas um detalhe.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
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