O
REVERSO DA FORTUNA (Reversal of fortune, 1990, Sovereign Pictures,
111min) Direção: Barbet Schroeder. Roteiro: Nicholas Kazan, livro de
Alan Dershowitz. Fotografia: Luciano Tovoli. Montagem: Lee Percy.
Música: Mark Isham. Figurino: Judianna Makovsky. Direção de
arte/cenários: Mel Bourne/Beth Kushnick. Produção executiva: Michael
Rauch. Produção: Edward R. Pressman, Oliver Stone. Elenco: Glenn Close,
Jeremy Irons, Ron Silver, Julie Hagerty, Annabella Sciorra, Uta Hagen,
Felicity Huffman. Estreia: 12/9/90 (Festival de Toronto)
3 indicações ao Oscar: Diretor (Barbet Schroeder), Ator (Jeremy Irons), Roteiro Adaptado
Vencedor do Oscar de Melhor Ator (Jeremy Irons)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator/Drama (Jeremy Irons)
Em
1988, Jeremy Irons mostrou ao público e à crítica um de seus mais
devastadores trabalhos, como os irmãos ginecologistas de "Gêmeos,
mórbida semelhança", de David Cronenberg, e foi sumariamente ignorado
pela Academia, talvez assustada com a temática barra-pesada da trama.
Dois anos depois, porém, foi praticamente impossível deixar de perceber
mais um desempenho extraordinário de Irons, dessa vez no filme "O
reverso da fortuna". Na pele do milionário europeu Claus Von Bullow,
julgado por tentativa de homicídio ao condenar sua esposa a um coma
definitivo por overdose de insulina, o ator inglês toma partido de sua
figura esguia e aristocrata para incorporar um personagem que, ao
contrário do que dita o lugar-comum dos roteiros hollywoodianos, não
deixa de lado em momento algum sua dubiedade e arrogância. Não à toa,
conquistou, além do Golden Globe e do Oscar, os prêmios da Associação de
Críticos de Los Angeles e da Sociedade Nacional de Críticos de Cinema,
todos boquiabertos com a sutileza e a força de sua interpretação.
Longe
de ser um típico herói - daqueles que a Academia adora louvar com suas
douradas estatuetas - Claus Von Bullow é de um frieza assustadora, mesmo
quando sua esposa, a sofisticada Sunny (Glenn Close, igualmente
brilhante) cai vitimada por um segundo coma, praticamente um ano depois
do primeiro: em ambos os casos, a causa é claramente debitada a seu uso
exagerado de pílulas e medicamentos. Porém, a reincidência do pretenso
acidente chama a atenção da velha empregada da família e do filho mais
velho da milionária, que não demoram a acusar Claus, seu segundo marido,
de tentativa de homicídio. Motivos ele tinha de sobra, especialmente
depois de declarar suas intenções de divorciar-se para ficar com outra
mulher. Condenado pela justiça, o réu procura o advogado Alan
Derschowitz (Ron Silver) - famoso por estar envolvido na defesa de dois
jovens negros destruídos pela opinião pública - para que, junto com seu
grupo de alunos/assistentes, entre com um recurso para anular o
veredicto negativo. Mesmo sabendo das poucas probabilidades de vitória,
Derschowitz aceita o desafio... e passa a questionar de verdade a
inocência de seu novo cliente.
Se
a interpretação impecável de Jeremy Irons é o que mais chama a atenção
do público à primeira vista - desafiando a todos a ficar o tempo todo em
dúvida a respeito de sua inocência - muito se deve ao genial roteiro de
Nicholas Kazan, baseado em livro escrito pelo próprio advogado de Von
Bullow. Filho do veterano cineasta Elia, Nicholas também foi indicado ao
Oscar por seu delicado trabalho, que mescla com impressionante
equilíbrio vários estilos de narrativa sem perder o fio da meada. Ora
contando a história pelo ponto de vista de Derschowitz, ora pelas
palavras de Von Bullow, ora pela narração em off da própria Sunny - que
acrescenta detalhes saborosos aos depoimentos do marido - o roteiro
funciona como uma espécie de quebra-cabeças, com as peças juntando-se
pouco a pouco para formar um painel que, mesmo completo, dá a impressão
de nunca estar inteiramente correto. A opção de manter o final em aberto
(ao menos em relação à culpabilidade do protagonista, uma vez que o
caso foi extremamente popular à época, início dos anos 80) também é
acertada, permitindo a Irons que jogue com todas as nuances de seu
personagem, que vai do sedutor ao arrogante em questão de minutos,
conforme pede o desenrolar da trama. Mas essa constante transformação do
protagonista - e as idas e vindas do roteiro - não teriam o mesmo
impacto sem a direção segura e inteligente de Barbet Schroeder.
Também
finalista do Oscar por seu trabalho em "O reverso da fortuna",
Schroeder conduz seu filme com a extrema elegância de seu protagonista,
conduzindo o espectador a um mundo de luxo e glamour, mas que, no fundo,
esconde um mar de hipocrisia, interesse e solidão. É quase palpável a
maneira com que ele retrata Sunny Von Bullow como uma mulher infeliz e
apática, que recorre a seus medicamentos como única forma de manter-se
psicologicamente sã. Esse artifício - de retratá-la como uma possível
suicida - também funciona perfeitamente, dando ao público todos os
elementos disponíveis para que ele mesmo tire suas conclusões. Em meio a
festas, discussões familiares e dólares a rodo, a plateia é testemunha
de um universo onde pouco valor a dado a sentimentos, sempre eclipsados
por interesses mais mundanos. De mãos dadas com o diretor (que nunca
mais alcançaria o mesmo grau de qualidade em sua carreira irregular),
ela sente-se segura em visitar os vastos cômodos da mansão Von Bullow
para, como testemunha privilegiada, chegar a suas próprias conclusões.
Sejam quais forem elas, no entanto, algo é unânime: a excelência do
trabalho de Jeremy Irons, no papel que mais se utilizou de todo o seu
potencial.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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