O TIRO QUE NÃO SAIU PELA CULATRA (Parenthood, 1989, Universal
Pictures, 124min) Direção: Ron Howard. Roteiro: Lowell Ganz, Babaloo
Mandel, estória de Ron Howard, Babaloo Mandel, Lowell Ganz. Fotografia:
Donald McAlpine. Montagem: Daniel Hanley, Michael Hill. Música: Randy
Newman. Figurino: Ruth Morley. Direção de arte/cenários: Todd
Hallowell/Nina Ramsey. Produção executiva: Joseph M. Caracciolo.
Produção: Brian Grazer. Elenco: Steve Martin, Jason Robards, Mary
Steenburgen, Dianne Wiest, Tom Hulce, Rick Moranis, Harley Kozak, Martha
Plimpton, Keanu Reeves, Joaquin Phoenix. Estreia: 31/7/89
2 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Dianne Wiest), Canção Original ("I love to see you smile")
Uma
doce e terna homenagem às benesses da paternidade - título-original
massacrado pelo absurdamente idiota e sem sentido "O tiro que não saiu
pela culatra" - a comédia de Ron Howard que acompanha as aventuras e
desventuras de uma família tipicamente americana (mas que poderia
tranquilamente ser brasileira, italiana, francesa ou japonesa, com suas
diferenças culturais à parte, obviamente) nasceu da conclusão de Howard
(juntamente com o produtor Brian Grazer e os roteiristas Babaloo Mandel e
Lowell Ganz) de que o fato mais importante que lhes aconteceu na vida
foi terem sido pais. Relembrando situações embaraçosas, tristes ou
engraçadas pelas quais passaram, eles conceberam a história de um clã
tão disfuncional quanto caloroso, repleto de problemas mas igualmente
cercado de carinho e compreensão, os Buckman. Representados por um
elenco excepcional que tem em mãos um roteiro recheado de diálogos
deliciosos e poeticamente realista, os Buckman são um retrato bastante
fiel da plateia, que deixou nas bilheterias americanas cerca de 100
milhões de dólares e colocou Ron Howard no mapa dos diretores altamente
comerciais de Hollywood - status que havia conquistado com "Splash, uma
sereia em minha vida" (84) e perdido momentaneamente com o relativo
fracasso de "Willow, na terra da magia" (88), um projeto pessoal que
naufragou nas bilheterias.
Contado em forma de anedotas
cotidianas interligadas por uma história tênue e de uma simplicidade
extremamente eficiente, "O tiro que não saiu pela culatra" concentra-se
principalmente em Gil Buckman (Steve Martin, explorando todo o seu
timing cômico em papel recusado por Dan Ayckroyd, Michael Keaton, Jeff
Golblum e Tom Hanks), o segundo filho do patriarca Frank (Jason
Robards), um homem que passou a vida dedicado ao trabalho e deixou a
família de lado. Gil é casado com a doce Karen (Mary Steenburgen), luta
para ser reconhecido profissionalmente e lida diariamente com seus três
filhos - sendo que o mais velho, Kevin (Jasen Fisher), para surpresa dos
pais, é considerado um garoto-problema na escola e precisa frequentar
uma psicóloga. Sua irmã mais velha, Helen (Dianne Wiest), é separada de
um ex-marido ausente e luta para ter uma relação afável com os filhos
adolescentes, a rebelde Julie (Martha Plimpton) - que namora o
desnorteado Todd (Keanu Reeves) - e o misterioso Garry (Joaquin Phoneix,
ainda com seu nome real, Leaf, posto por seus pais hippies). A terceira
irmã, Susan (Harley Kozak), é casada com o neurótico Nathan (o ótimo
Rick Moranis), que quer transformar a filhinha de seis anos em um
Einstein de saias e o irmão caçula, Larry (Tom Hulce) - de certa forma o
preferido de Frank - pega toda a família de surpresa quando retorna de
uma viagem acompanhado de um adendo inesperado: um filho pequeno que
teve com uma dançarina de Las Vegas.
Com essa galeria
de tipos idiossincráticos mas bastante próximos da realidade do
espectador - tanto em termos emocionais quanto familiares - Ron Howard
cria uma pequena pérola do cinema mainstream, equilibrando com
sensibilidade momentos de humor (como a hilariante cena em que Gil
descobre, sem querer, o que consola sua irmã Helen em suas noites
solitárias) com sequências banhadas em uma delicadeza quase europeia
(sempre que Gil tem a chance de questionar as escolhas de sua vida e dá
de cara com a estrutura familiar que construiu com Karen e os filhos). A
trilha sonora de Randy Newman pontua com precisão as escolhas sutis de
Howard, comentando a ação de forma discreta - sua canção-tema, "I love
to see you smile", chegou a ser indicada ao Oscar da categoria. E o
elenco é um show à parte, equilibrando atores já consagrados com os
nomes mais quentes do humor cinematográfico americano da época - não
deixa de ser injusto que apenas Dianne Wiest tenha sido lembrada pela
Academia por seu desempenho como a solitária Helen (um papel no qual ela
é especialista, haja visto pelo menos dois trabalhos sob o comando de
Woody Allen, "A era do rádio" (87) e "Hannah e suas irmãs" (86), que lhe
rendeu uma estatueta.
Se Steve Martin de certa forma
comanda o espetáculo com seu Gil Buckman, ele encontra ao seu lado um
grupo de atores em plena forma. Jason Robards transmite com exatidão as
dúvidas de seu Frank, que descobre na velhice o quanto perdeu da
juventude dos filhos e tenta remendar os erros passando a mão na cabeça
do caçula irresponsável. Mary Steenburgen vive com placidez uma
personagem sempre no meio do redemoinho mas sempre com a cabeça pronta
para diminuir as tempestades. Dianne Wiest brilha como Helen,
especialmente em seus duelos com a filha Julie (a ótima e eterna
"goonie" Martha Plimpton). E Rick Moranis - popularíssimo nos EUA nos
anos 80 e depois praticamente esquecido pelo público e pela indústria -
quase rouba a cena como o alucinado pai com grandes expectativas
intelectuais em relação ao rebento. Juntos, essa família de ótimos
atores transforma o texto quase simples de "O tiro que não saiu pela
culatra" (que alguns críticos consideraram pasteurizado e digno de
sitcoms e não de um filme de um grande estúdio) em um trunfo do cinema
familiar. É simples, é quase ingênuo e é também, reconheçamos, quase
esquecível. Mas é, ao mesmo tempo, uma delícia como um grande pedaço de
bolo de chocolate.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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