O
PESCADOR DE ILUSÕES (The fisher king, 1991, Columbia Pictures, 137min)
Direção: Terry Gillian. Roteiro: Richard LaGravenese. Fotografia: Roger
Pratt. Montagem: Lesley Walker. Música: George Fenton. Figurino: Beatrix
Pasztor. Direção de arte/cenários: Mel Bourne/Cindy Carr. Produção:
Debra Hill, Lynda Obst. Elenco: Robin Williams, Jeff Bridges, Amanda
Plummer, Mercedes Ruhel, David Hyde Pierce. Estreia: 13/9/91 (Festival
de Toronto)
5 indicações ao Oscar: Ator (Robin
Williams), Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl), Roteiro Original, Trilha
Sonora Original, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl)
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator Comédia/Musical (Robin Williams), Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl)
Mendigos.
Irresponsabilidade da mídia. Depressão. Solidão. A busca pelo Santo
Graal. Não é preciso ser um analista comercial para perceber que
elementos tão díspares não são exatamente o que um estúdio cioso de suas
finanças procura quando deseja lançar um filme - principalmente quando o
diretor escolhido é um ex-integrante de uma trupe inglesa famosa por
não deixar pedra sobre pedra quando se trata de retratar a sociedade, o
Monthy Python. Por que, então, já que une todos esses ingredientes tão
amargos, "O pescador de ilusões" caiu tanto na graça de todo mundo, a
ponto de ter sido apontado, já em sua estreia no Festival de Toronto,
como um dos mais fortes candidatos ao Oscar do ano? Simplesmente porque a
amizade travada entre um radialista caído em desgraça e um mendigo
delirante com um passado trágico, dirigida com extrema sensibilidade por
Terry Gillian - cujo trabalho anterior, "As aventuras do Barão de
Munchausen" (89) deu mais trabalho do que dinheiro - é um daqueles
filmes de aquecer o coração, sem que para isso precise apelar para o
sentimentalismo ou os clichês. É uma pérola de poesia, uma tragicomédia
enfeitada com diálogos preciosos e atuações nunca aquém de
espetaculares.
Quando o filme começa, o radialista Jack
Lucas (Jeff Bridges, brilhante) está no auge do sucesso com seu
programa onde fala pelos cotovelos contra tudo e contra todos. Em vias
de assinar um contrato milionário para estrear no cinema, ele acaba
vendo seus conselhos irresponsáveis causarem uma tragédia: um de seus
ouvintes, menos capacitados a filtrar o que é ironia ou não em seus
discursos demagogos, invade um restaurante com uma arma, mata sete
pessoas e se suicida em seguida. Três anos depois, Jack está na pior:
vive de favor na casa da compreensiva e dedicada namorada, Anne
(Mercedes Ruehl, ótima em todas as cenas), a dona de uma locadora de
vídeo, está desempregado e passando por uma séria crise de depressão.
Uma noite, bêbado e em vias de ser espancado por um grupo de jovens
delinquentes (incluindo um iniciante Dan Futterman, que anos depois
seria indicado ao Oscar de roteiro adaptado por "Capote"), ele é
resgatado por Parry (Robin Williams), um mendigo que, conforme ele fica
sabendo a seguir, tem como objetivo na vida resgatar o Santo Graal - o
cálice utilizado por Cristo na Última Ceia - da casa de um milionário
nova-iorquino. A perspectiva de Jack a respeito de Parry - a quem a
princípio considera apenas mais um sem-teto da cidade - se transforma
radicalmente, porém, quando ele descobre o passado do excêntrico novo
amigo: professor de História renomado e conceituado, ele foi parar nas
ruas depois de um período de catatonia provocado pelo assassinato da
esposa - justamente pelo ouvinte radical de Jack. Sentindo-se
responsável pelo destino de Parry, ele então decide ajudar-lhe a
conquistar o coração de sua nova amada, a estranha Lydia (Amanda
Plummer).
Fotografado
com assustadora competência por Roger Pratt, que encontra beleza e
poesia mesmo nos becos mais sujos e perigosos de Nova York, "O pescador
de ilusões" tem na sensibilidade um dos seus pontos mais altos: sem
preocupar-se com a lógica ou com o realismo, Terry Gillian surpreende o
espectador com sequências deslumbrantes e mágicas, como o baile
inusitado em meio ao burburinho da estação de metrô da cidade quando
Parry vê Lydia passando ou a sui generis reconstituição, em um hospital
público, da "Pietá", de Michelangelo, protagonizada por Jack e um
mendigo homossexual que tem por hábito imitar números musicais pelas
ruas. Esses momentos lúdicos - e aqueles em que Parry precisa enfrentar
seu maior medo, um cavaleiro medieval vestido de vermelho que lança fogo
pelas ruas - não deixam, no entanto, que o filme perca sua essência
totalmente humana. O roteiro de Richard LaGravenese - que concorreu ao
Oscar da categoria mas perdeu para o sensacional "Thelma &
Louise" - é recheado de bons diálogos, sustentados por personagens
sólidos, que conquistam pela veracidade com que transmitem seus
sentimentos, por mais bizarros que possam parecer em um primeiro
vislumbre. E é seu mérito que nenhum dos quatro protagonistas seja
unidimensional, sempre pegando o espectador de surpresa com atitudes
raras em uma produção comercial hollywoodiana.
E
na verdade, "O pescador de ilusões" pode parecer tudo, menos uma típica
produção hollywoodiana. Não fosse pela presença de nomes conhecidos no
elenco, como os de Robin Williams (indicado ao Oscar por sua
performance) e Jeff Bridges, poderia facilmente passar por um filme
europeu, por suas escolhas pouco convencionais de narrativa, por seu
visual que foge dos clichês cartões-postais e até mesmo por seu
transgressor final feliz, que renega as expectativas construídas para
deixar a plateia com um sorriso no rosto, feliz por ter investido pouco
mais de duas horas em um dos mais satisfatórios dramas americanos dos
anos 90. Um filme praticamente sem erros, é, sem dúvida, a obra-prima da
carreira de Terry Gillian.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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