PARA
O RESTO DE NOSSAS VIDAS (Peter's friends, 1992, BBC/Channel Four
Films/Renaissance Films, 104min) Direção: Kenneth Branagh. Roteiro: Rita
Rudner, Martin Bergman. Fotografia: Roger Lanser. Montagem: Andrew
Marcus. Figurino: Susan Coates, Stephanie Collie. Direção de
arte/cenários: Tim Harvey/Martin Childs. Produção executiva: Stephen
Evans. Produção: Kenneth Branagh. Elenco: Kenneth Branagh, Emma
Thompson, Stephen Fry, Hugh Laurie, Imelda Staunton, Alphonsia Emmanuel,
Richard Briers, Phyllida Law. Estreia: 18/9/92 (Festival de Toronto)
Depois
que chamou a atenção do público, da crítica e da Academia de Hollywood
com sua visão quase melancólica de "Henry V", de 1988 - pelo qual
concorreu aos Oscar de ator e diretor - o irlandês Kenneth Branagh
mudou-se de mala e cuia para a terra do cinema e foi brincar de
Hitchcock. Seu estiloso "Voltar a morrer" (91) não obteve a mesma
receptividade generosa, apesar das inúmeras qualidades, e ele fez então o
que lhe pareceu mais sensato: deixou de lado qualquer projeto mais
ambicioso, correu para sua amada Inglaterra, chamou um grupo de
talentosos amigos e lançou "Para o resto de nossas vidas", um pequeno
grande filme sobre amizade, companheirismo e os efeitos do tempo.
Injetando uma bem-vinda dose do típico humor britânico em uma trama que
poderia soar repetitiva ao público acostumado com histórias semelhantes -
desde, no mínimo, "O reencontro" (83), de Lawrence Kasdan - Branagh
contou com um brilhante roteiro e um elenco excepcional (que inclui
atores que posteriormente ficariam mais conhecidos da audiência, como
Hugh Laurie e Imelda Staunton) para mostrar que sua versatilidade não
tinha tamanho.
O próprio Branagh e sua então esposa
Emma Thompson estão no elenco do filme, que começa no Reveillon de 1982,
quando um grupo de teatro amador de Londres tenta sem muito sucesso
chamar a atenção dos milionários convidados da festa. Dez anos mais
tarde - com o país transformado política e socialmente pelo governo de
Margaret Tatcher - a companhia se desfez, cada um seguiu seu caminho na
vida e um encontro entre eles é fato raríssimo. Por isso, nenhum deles é
capaz de dizer não quando Peter Morton (Stephen Fry), que acaba de
perder os pais, os convida para romper o ano em sua espetacular mansão.
Solitário, introspectivo - e com um segredo que pretende revelar ao
final do feriado - Peter nem percebe que é o alvo das atenções de Maggie
(Emma Thompson), solteirona que trabalha no mercado editorial e que
decide que é a mulher certa para ele. Quem também tem problemas em
encontrar a alma gêmea é Sarah (Alphonsia Emmanuel), cujo namorado
atual, Brian (Tony Slattery), com quem mantém uma relação recente e
sexualmente insaciável, é casado e pai de um menino. Sarah já namorou
Andrew (Branagh), que abandonou a Inglaterra para tentar a sorte na
Califórnia e casou-se com Carol (Rita Rudner, co-autora do espirituoso
roteiro), uma perua vaidosa que é conhecida pelo papel em uma telenovela
diurna sem maiores qualidades artísticas. Completam o círculo de amigos
o casal formado por Roger (Hugh Laurie) e Mary (Imelda Staunton), que
trabalham compondo jingles publicitários e convivem com o drama de ter
perdido um de seus gêmeos ainda bebê.
"Para
o resto de nossas vidas" tinha tudo para ser um festival de clichês,
mas, milagre dos milagres, funciona maravilhosamente bem, principalmente
por sua acertada opção em salientar o humor das situações propostas
pela trama. Mesmo dramas mais densos, como o vivido pelo casal obrigado a
suportar a morte de um filho - e a revelação final de Peter, que dá
sentido à reunião proposta no argumento - são tratados com leveza e
discrição, o que impede o filme de descambar para o dramalhão lacrimoso.
Os diálogos afiados soam orgânicos e naturais, com críticas pouco
disfarçadas, por exemplo, à comunidade do entretenimento americano, à
cultura exagerada da beleza e às diferenças culturais existentes entre
EUA e Inglaterra. E é preciso dizer que tais diálogos, que assumem quase
a estrutura de uma peça de teatro (o que é condizente, de certa forma,
com a origem dos personagens), encontram um elenco à altura. Em meio a
tantos bons atores - todos beneficiados com ao menos uma grande cena -
destacam-se Emma Thompson e Imelda Staunton. Enquanto Imelda brilha como
a neurótica Mary (que põe seu casamento em risco com a obsessão de
cuidar do único filho que ainda tem) sem precisar nem ao menos falar
muito, Thompson quase rouba o filme na pele da divertida Maggie.
Conhecida até então por desempenhos mais sérios - sendo que um deles,
"Retorno a Howards End", lhe daria um Oscar já em 1993 - ela deixa
vislumbrar um delicioso senso de humor que Hollywood tentaria explorar
sem muito sucesso (mais por culpa do filme do que por dela) em "Junior"
(94).
Pontuado por uma vibrante trilha sonora que
inclui sucessos de Cyndi Lauper, The Pretenders, Al Green, Tina Turner e
Tears for Fears, "Para o resto de nossas vidas" cumpre com louvor tudo
que promete. Faz rir, pode emocionar, envolve com personagens
verossímeis e repletos de falhas de caráter (e ainda assim encantadores)
e, de quebra, dá a sensação de estar acontecendo na casa ao lado.
Poucas vezes Kenneth Branagh foi tão despretensioso. E poucas vezes
acertou tão em cheio.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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