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VOLTAR A MORRER

VOLTAR A MORRER (Dead again, 1991, Paramount Pictures, 107min) Direção: Kenneth Branagh. Roteiro: Scott Frank. Fotografia: Matthew F. Leonetti. Montagem: Peter E. Berger. Música: Patrick Doyle. Figurino: Phyllis Dalton. Direção de arte/cenários: Tim Harvey/Jerry Adams. Produção executiva: Sydney Pollack. Produção: Lindsay Doran, Charles H. Maguire. Elenco: Kenneth Branagh, Emma Thompson, Derek Jacobi, Andy Garcia, Robin Williams, Hanna Schygulla, Campbel Scott, Wayne Knight. Estreia: 30/8/91

Em 1990 o cineasta irlandês Kenneth Branagh pegou o mundo de surpresa com sua visceral adaptação cinematográfica de "Henry V", de Shakespeare, pela qual foi indicado aos Oscar de ator e direção. Sua estreia nos auspícios do cinema hollywoodiano, então, surpreendeu ainda mais: quando todos esperavam uma nova versão para as telas da obra do bardo - coisa que ele faria posteriormente com o solar "Muito barulho por nada" (93) e o sublime "Hamlet" (96) - o jovem cineasta, então com meros 30 anos de idade resolveu brincar de Hitchcock. Com base em um roteiro do também jovem Scott Frank, Branagh apresentou à audiência o intrigante "Voltar a morrer", um suspense clássico com pitadas de espiritualidade - em voga desde o impressionante êxito de "Ghost, do outro lado da vida" (90), coincidentemente ou não produzido pela mesma Paramount Pictures - e um tom de seriedade sublinhado pela trilha sonora de Patrick Doyle e pelo genial elenco, que mesclava grandes atores ingleses (como a então sra. Branagh, Emma Thompson e o veterano Derek Jacobi), a musa alemã Hannah Schygulla e os hollywoodianos Robin Williams e Andy Garcia.

Não é preciso acreditar em vidas passadas e reencarnação para se envolver com a trama de "Voltar a morrer", mas é bom que se mantenha a mente aberta para melhor usufruir de todas as surpresas do filme, que começa como um policial típico dos anos 90 para depois seguir uma trilha com ecos metafísicos que funcionam com perfeição à trama - e lhe dão o molho especial que o destaca entre seus congêneres: tudo se passa em Los Angeles, quando o detetive Mike Church (Branagh com um convincente sotaque americano) é procurado pelo orfanato onde foi criado para investigar a identidade de uma mulher encontrada vagando muda pelas ruas da cidade (Emma Thompson). A contragosto - mas de certa forma atraído pela desconhecida, Church acaba postando um anúncio de jornal em busca de informações a seu respeito. Quem chega até seu apartamento é o misterioso Franklyn Madson (Derek Jacobi), dono de um antiquário que também trabalha como hipnotista e se oferece para, através de sessões em sua casa, tentar descobrir a identidade da desmemoriada. Durante uma dessas sessões, ele descobre que ela é a reencarnação de Margaret Strauss (também Thompson), música que, quarenta anos antes, foi assassinada a tesouradas pelo marido, o maestro europeu Roman (novamente Branagh).


Convencidos por Cozy Carlisle (Robin Williams) - um psiquiatra que teve seus direitos de exercer a profissão cassados por dormir com suas pacientes - de que seu reencontro na década de 90 tem a ver com as teorias de reencarnação, Church e Grace (o nome real da artista plástica, que tem a identidade recuperada através de investigações mais profundas do detetive) chegam à conclusão de que são, na verdade, a nova vida do casal Strauss, que, no final da década de 40, estampou as manchetes dos jornais com seu sangrento final - ela assassinada, ele condenado à morte. Certa de que Church está disposto a matá-la como forma de reviver o passado, Grace se afasta dele, mas uma reviravolta muda todo o jogo quando novas cartas são postas na mesa - e Church consegue localizar Gray Baker (Andy Garcia), o jornalista que de certa forma foi o pivô da tragédia e testemunhou os últimos momentos do maestro.

Mesmo que não fique tão à vontade dirigindo um thriller quanto o faz no comando de uma obra shakespereana, não dá para negar que Branagh acertou na maior parte de suas escolhas. Ainda que o roteiro por vezes o obrigue a apelar para os mais deslavados clichês - o clímax do final, por exemplo, incomoda por fugir do registro discreto e elegante que o filme vinha adotando - o cineasta consegue impor seu bom-gosto em sequências recheadas de um suspense que surge da sugestão e do clima enfatizado pela bela fotografia de Matthew F. Leonetti - sensual e sinistra no preto-e-branco do passado e quente e luminosa no colorido do presente. Ao contar duas histórias em tempos distintos que se cruzam pela força do destino - ou carma, ou talento do roteirista - Branagh conduz a plateia por um labirinto de lembranças sufocadas, por antiquários claustrofóbicos e por mistérios que deveriam manter-se sepultados, explorando, para isso, todos os artifícios que o bom cinema pode proporcionar.

Hitchcock teria orgulho, por exemplo, de todas as cenas (desprovidas de cores) que mostram os antecedentes do violento assassinato na mansão Strauss: a câmera passeia pelo suntuoso cenário, onde festas e reuniões escondem segredos e possíveis adultérios por trás de seu véu de sofisticação. São nesses momentos que Branagh mostra o requinte de sua direção, acompanhando lentamente seus personagens rumo ao abismo - é sensacional, por exemplo, a cena em que Strauss e Gray Baker conversam, antes da morte do maestro, sob um clima construído delicadamente com música, fotografia e atuações excepcionais. Tal cuidado se reflete também na escalação do elenco coadjuvante: não existe um único personagem da trama que não mereça do cineasta a atenção necessária, deixando claro que Branagh é um grande diretor de atores mesmo quando não está diante do material ideal. Sua brincadeira de Hichcock pode não ter sido perfeita, mas alcançou notas muito superiores a gente bem mais experiente no assunto. Um ótimo jogo de gato-e-rato, que, descontando-se alguns pecadilhos, é muito superior à média.

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