A
MORTE LHE CAI BEM (Death becomes her, 1992, Universal Pictures, 104min)
Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Martin Donovan, David Koepp.
Fotografia: Dean Cundey. Montagem: Arthur Schmidt. Música: Alan
Silvestri. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Rick
Carter/Jackie Carr. Produção: Steve Starkey, Robert Zemeckis. Elenco:
Meryl Streep, Goldie Hawn, Bruce Willis, Isabella Rossellini, Sydney
Pollack. Estreia: 31/7/92
Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais
Depois
que mostrou que desenhos animados e atores poderiam conviver
pacificamente em uma tela de cinema com o incrível sucesso de crítica e
bilheteria de "Uma cilada para Roger Rabbit" (88) e que viagens no tempo
poderiam ser incrivelmente divertidas com a trilogia "De volta para o
futuro", encerrada em 1989, quase tudo era esperado do diretor Robert
Zemeckis. Quase tudo, menos que ele partisse sem pestanejar pelo
pantanoso terreno do humor negro - em especial com um filme que
criticasse sem o menor pudor a busca desesperada pela eterna juventude
que tanto alimenta a fogueira das vaidades do mundo artístico. De posse
de efeitos visuais impecáveis que acabariam levando o Oscar do ano
seguinte e um trio de atores respeitados e populares, Zemeckis, no
entanto, encarou um banho de água fria quando seu "A morte lhe cai bem"
estancou nas bilheterias ianques pouco abaixo dos 60 milhões de dólares -
praticamente o orçamento final do projeto. Um dos típicos fracassos
injustos de que a história de Hollywood está repleta, a história de
inveja, vingança e competição entre duas inimigas que disputam o amor do
mesmo homem - não por acaso um cirurgião plástico - às raias do absurdo
é um primor de ironia, sarcasmo e mordacidade, interpretado como um
filme de terror das antigas mas revestido de uma modernidade de que
somente o cinemão mainstream americano seria capaz sem cair no ridículo.
A
trama é puro nonsense: começa quando o bem-sucedido cirurgião Ernest
Menville (Bruce Willis se divertindo em papel que seria de Kevin Kline)
troca sua então noiva, Helen Sharp (Goldie Hawn), pela estrela dos
palcos Madeline Ashton (Meryl Streep), mais interessada em seus talentos
médicos do que exatamente por seu amor. Revoltada, Helen, que sempre
manteve uma relação tumultuada com Madeline, a quem acusa de roubar
sistematicamente seus namorados, se entrega à comida, engordando
alucinadamente. Anos se passam e justamente quando o casamento entre
Madeline e Ernest está em frangalhos - ele parou de clinicar por causa
do álcool e trabalha maquiando cadáveres e ela está se sentindo cada vez
mais velha, sendo desprezada até pelo amante mais jovem - Helen dá
sinais de vida, mandando o convite para o lançamento de seu livro.
Glamourosa, carismática, magra - e melhor ainda, dotada de uma
jovialidade espantosa - ela acaba por seduzir novamente Ernest e
planeja, com ele, a morte de sua maior rival. O que ela não esperava, no
entanto, é o fato de Madeline ter encontrado uma nova fonte da
juventude através da misteriosa Lisle Von Rhuman (Isabella Rossellini,
linda). Dotada de uma nova força, ela se descobre imortal - mas também
verá que tal benefício também tem seus pequenos problemas.
O
tom gótico da brincadeira de Zemeckis está presente em cada minuto de
celulóide - desde a chuva incessante, com direito a relâmpagos, que
emoldura os momentos em que as duas rivais imortais se digladiam com
espingardas, pás e agressões físicas das mais variadas, até nos
mirabolantes cenários, que reconstituem mansões pra lá de sinistras. O
roteiro brinca com a obsessão pela juventude e pela beleza na forma de
uma fábula grotesca, sem heróis ou vilões e recheada de citações à
cultura popular (entre os convidados da festa de Lisle, por exemplo,
estão alguns de seus mais famosos clientes, facilmente reconhecíveis
pelo público, mas que não convém revelar sob pena de estragar a surpresa
aos ainda não-iniciados ao filme). Os efeitos especiais de primeira
linha também chamam a atenção por se integrarem organicamente à
história, divertindo o público pelo inusitado de seu visual: de repente,
Meryl Streep, uma atriz respeitada e então vencedora de dois Oscar,
está com o pescoço torcido ao contrário ou com a cabeça enterrada no
corpo, e Goldie Hawn levanta da piscina com um rombo gigantesco no
estômago, resultado de um tiro. Tais truques, realizados com perfeição,
acabaram levando o Oscar da categoria, batendo filmes bem mais afeitos a
tais artifícios, como "Alien 3" e "Batman, o retorno".
É
lógico que o público acostumado com besteiras inconsequentes e filmes
de ação descerebrados não gostou de "A morte lhe cai bem". Apesar de
tudo, a obra de Zemeckis é sutil e inteligente, passando longe do humor
fácil e previsível. É uma crítica pesada ao culto à beleza e à
juventude, disfarçada de comédia gótica e repleta de piadas visuais e
verbais que podem facilmente passar despercebidas ao espectador menos
atento e informado dos bastidores da indústria do entretenimento. Para
aqueles que buscam uma diversão menos superficial, porém, o filme é
deliciosamente perverso, algo como uma versão high-tech de um filme
estrelado por Bette Davis e Joan Crawford. Impagável!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
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