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OS IMORAIS

OS IMORAIS (The grifters, 1990, Cineplex-Odeon Films, 110min) Direção: Stephen Frears. Roteiro: Donald E. Westlake, romance de Jim Thompson. Fotografia: Oliver Stapleton. Montagem: Mick Audsley. Música: Elmer Bernstein. Figurino: Richard Honrnung. Direção de arte/cenários: Dennis Gassner/Nancy Haigh. Produção executiva: Barbara de Fina. Produção: Robert A. Harris, Jim Painter, Martin Scorsese. Elenco: Anjelica Huston, John Cusack, Annette Bening, Pat Hingle, Xander Berkeley. Estreia: 14/9/90 (Festival de Toronto)

4 indicações ao Oscar: Diretor (Stephen Frears), Atriz (Anjelica Huston), Atriz Coadjuvante (Annette Bening), Roteiro Adaptado

Lilly Dillon ganha a vida lavando dinheiro da Máfia, frequentando hipódromos para buscar a grana de seu violento patrão, Bobo Justus. Seu filho, Roy, vive de golpe em golpe, arriscando-se em busca do ganha-pão e não a vê há oito anos. Sua nova namorada, a alegre sirigaita Myra Langrty, utiliza-se de sua beleza para pagar com o corpo o aluguel e outras dívidas que não consegue amortecer, depois de ver suas chances de enriquecer com um golpe milionário irem por água abaixo. Esse trio de bandidinhos, malandros pés-de-chinelo, a quilômetros de distância do glamour hollywoodiano são os protagonistas de "Os imorais", noir sujo, direto e sem concessões baseado com extrema fidelidade no romance de Jim Thompson e dirigido por Stephen Frears que conseguiu a façanha de, no mesmo ano de "Os bons companheiros", de Martin Scorsese, e "O poderoso chefão, parte III", de Francis Ford Coppola, chegar até a cerimônia do Oscar em categorias nobres como direção, roteiro e atriz. Scorsese, aliás, é produtor executivo do filme, o que talvez explique a maneira com que as entranhas do submundo do crime são tão cruamente expostas nessa pérola de Stephen Frears, até então mais conhecido pelo elegante "Ligações perigosas" (88).

Pela direção da adaptação do clássico romance de Choderlos de Laclos estrelado por Glenn Close e John Malkovich, o diretor foi esnobado pela Academia, apesar do filme concorrer à estatueta principal, mas dessa vez não teve como ignorá-lo. Sua direção firme, fria e direta casa perfeitamente com o texto incisivo e cínico de Jim Thompson, escritor americano que frequentou Hollywood contribuindo com o roteiro de  "O grande golpe" (56) e "Glória feita de sangue" (57), ambos de Stanley Kubrick: sem preocupar-se com firulas, sua obra vai direto à jugular, com uma violência verbal e física capaz de encantar aos fãs do tradicional cinema noir hollywoodiano - mas, ao contrário dos filmes mais famosos do gênero, abdica do glamour para concentrar-se nos escaninhos mais sórdidos das histórias de gângsteres, aqueles que até o mais amoral criminoso tem vergonha de admitir. Ao retratar bandidos ralé ao invés de poderosos chefões, "Os imorais" ganha pontos pela autenticidade, garantida por um trio de atores principais de tirar o chapéu.


Anjelica Huston (loiríssima) está sublime como Lilly, uma Jocasta extemporânea que, depois de oito anos de ausência, reencontra o filho, Roy (John Cusack iniciando uma expressiva fase da carreira que o levaria a trabalhar com cineastas do porte de Woody Allen e ser reconhecido como um dos atores mais promissores de sua geração) e de cara implica com sua nova namorada, Myra (Annette Bening, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), em uma antipatia recíproca, como se ambas percebessem a inevitável rivalidade prestes a ocorrer. Lilly quer que Roy a ajude a fugir de seu patrão, que desconfia de sua honestidade (não sem motivos). Myra deseja que o namorado se torne seu sócio em um esquema que lesa milionários desavisados. As duas sabem que qualquer escolha do rapaz anulará a outra e uma guerra silenciosa é declarada entre elas.

Contando com uma edição ágil mas nunca apressada de Mick Audsley - que começa o filme dividindo a tela em três, apresentando à plateia as personagens com quem irão conviver pelas próximas duas horas - "Os imorais" se beneficia também do roteiro enxuto de Donald E. Westlake, que segue religiosamente sua origem literária e da coragem de Stephen Frears em obrigar o publico a testemunhar cenas de grande impacto emocional (a tortura psicológica sofrida por Lilly e um punhado de laranjas enroladas em uma toalha) sem nunca ultrapassar os limites visuais da violência. Trabalhando principalmente sobre a personalidade de seus protagonistas - e até mesmo deixando no ar algumas questões como o tipo de relação entre Lilly e Roy, que beira o incesto - a trama prefere investigar os mecanismos tortuosos entre os três personagens como engrenagens de uma complexa história de amor, traição e vingança. Não deve agradar a todos - seu visual é desprovido de qualquer beleza e seu ritmo é brusco e árido - mas poucos filmes de sua época tiveram sua coragem de arrancar sem temores os véus de delicadeza que cobriam o gênero policial. Só por isso já merece aplausos.

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