AS CANÇÕES (As canções, 2011, Videofilmes Produções Artísticas, 90min) Direção: Eduardo Coutinho. Fotografia: Jacques Cheuiche. Montagem: Jordana Berg. Produção: João Moreira Salles, Maurício Andrade Ramos. Estreia: 09/12/11
Se não houvesse músicas, como as pessoas se lembrariam de partes de sua
vida? Essa é a questão levantada por Queimado, um dos participantes do
belo documentário "As canções", dirigido pelo experiente Eduardo
Coutinho, e de certa forma é uma razão para que o filme tenha sido feito:
com seu talento incomum de arrancar de seus entrevistados depoimentos
emocionantes e verdadeiramente humanos, Coutinho apresenta ao público 18
histórias comoventes sobre amor, tendo como elo de ligação o fato de
todas terem uma canção-tema. São pessoas desconhecidas, simples e muitas
vezes sem maior instrução que dão um show de sinceridade e até
bom-humor. Mais uma vez o cineasta veterano de "Cabra
marcado para morrer" acerta em cheio.
A estrutura de "As canções" lembra um pouco a de "Jogo de cena",
brilhante documentário que contou com Andrea Beltrão, Marília Pêra e
Fernanda Torres, entre outras: o entrevistado entra em um cenário
escuro, sem nada mais do que uma cadeira e conta sua história,
intercalando-a com a música que a marcou. Desfilam pela tela histórias
trágicas e felizes, entre maridos e esposas, entre pai e filho, entre
amantes... Em todas elas existe o elemento da paixão, do arrependimento,
do amor quase irracional. Em todas elas a audiência se reconhece (se
não ao todo ao menos em parte). Em todas elas o ser humano (material de
supremo interesse do documentarista) é o astro central, dividindo o
palco com sua trilha sonora particular. Em todas elas há aquilo que faz
da obra de Coutinho tão especial: seu carinho pelo ser humano.
É esse carinho que abraça as histórias registradas pela câmera do cineasta, que interfere o mínimo possível nos depoimentos escolhidos, todos regidos principalmente pela emoção. Entre os inúmeros talentos de Coutinho está aquele essencial a um bom documentarista: garimpar sentimentos genuínos, personagens cativantes e histórias universais e ao mesmo tempo muito particulares. É fascinante a forma com que os entrevistados se entregam à emoção sem hesitação, seja por saudade, por remorso, por amor puro e deslavado. Talvez o mais emblemático de todos os depoimentos seja o de dona Maria Aparecida, uma mineira que foi expulsa de casa pelos pais ao ficar grávida quando ainda era solteira: em sua narrativa surge drama, humor, romance, preconceito e uma ferrenha paixão pela vida e pela família. Assim como ela, os outros convidados desfilam diante da câmera adultérios, mortes, malandragem, amores imortais, saudade e um sentimento palpável de conformismo em relação ao fim de uma história de amor. É a vida como ela é, sob o olhar compreensivo e neutro de um dos maiores diretores de documentários que o país já teve.
Característica central da filmografia de Eduardo Coutinho, sua paixão
pelas pessoas fica patente em "As canções": enquanto suas "personagens"
estão em cena é difícil não se envolver, não ser tocado, não compreender
cada história, por mais distante que esteja do universo do espectador.
Tudo é responsabilidade da capacidade do diretor em despertar a
confiança absoluta do interlocutor, que sente-se como em um terapeuta.
Lágrimas são constantes nos depoimentos, mas ninguém parece se
incomodar com esse devassar sentimental. Todos estão ali para dividir
suas experiências. E esse jogo de compartilhamento de vida é
arrebatador. Entre as músicas de Roberto Carlos, Jorge Benjor, Chico Buarque e Noel
Rosa que são trilha sonora de vidas de gente como a gente, fica a
certeza de que o amor não escolhe sexo, classe social ou idade para
aparecer e fazer seus estragos. E é isso que faz de "As canções" um
filme tão especial e caloroso. Imperdível!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
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