Indicado ao Oscar de Edição de Som
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes: Melhor Diretor (Nicolas Windig Refn)
No filme de Stevens, Alan Ladd vivia
o personagem-título, um homem misterioso, sem passado nem futuro, que chega a
uma pequena cidade do interior do oeste americano e ajuda um jovem fazendeiro
(Van Heflin) e sua família – esposa e filho pequeno – a se livrarem de um
vizinho corrupto e violento que desejam lhe tomar as terras. Seu heroísmo acaba
por despertar sentimentos menos nobres que a gratidão da bela dona-de-casa, mas
ele se recusa a abdicar de seus princípios e, resolvida a questão com os
criminosos, vai embora da mesma forma com que entrou na vida dos novos amigos.
Em “Drive”, o que muda é o cenário – uma Los Angeles estilizada, iluminada à
noite e desoladoramente asséptica durante o dia – e o contexto da violência –
bem mais clara (ainda que utilizada com inteligência e parcimônia) e adequada a
uma época em que o heroísmo no cinema está intimamente ligado aos litros de
sangue derramados por frame. Ryan Gosling interpreta o protagonista, um jovem mecânico
que complementa o orçamento trabalha como dublê em filmes de ação que precisam
de um motorista corajoso. Sem jamais dizer seu nome – tanto que é batizado como
“driver” até mesmo nos créditos de encerramento do filme – ele também preenche
sua sede de adrenalina ajudando assaltantes em fuga nas noites angelenas: ele
espera no carro, dá cinco minutos aos contratantes e assume todas as
responsabilidades da fuga desde que o tempo proposto não seja ultrapassado.
Quando o filme começa, ele conhece a bela e tímida Irene (Carey Mulligan),
vizinha de porta que mora com o filho pequeno, Benício, enquanto aguarda a
saída de seu marido da cadeia. O rapaz se apaixona por Irene e sua convivência
com ela e o menino fica cada vez mais próxima.
A harmonia da relação é quebrada, no entanto, quando Standard (Oscar
Isaac), marido de Irene, é libertado. O calado motorista tenta afastar-se da
família, como convém a um herói, mas o destino – na forma de antigos colegas de
Standard – interveem no desenrolar da história: ameaçado de morte por
criminosos que conheceu antes de sua prisão, o ex-presidiário precisa cometer
um último assalto para pagar uma dívida que, não quitada, resultará na sua
morte – bem como a de sua família. Sem pensar duas vezes, o protagonista resolve
ajudar o rival e acaba por entrar na mira de um assustador mafioso, Bernie Rose
(Albert Brooks), que por acaso é seu patrocinador em uma possível carreira de
corridas de automóveis.
Como pode-se perceber, a estrutura
de “Drive” – baseado em um romance de James Sallis, adaptado por Hossein Amini – é mais
semelhante a de “Os brutos também amam” do que a de “Taxi driver”. Mas as
influências praticamente param por aí. Enquanto George Stevens criou um western
quase sentimental, Refn mergulhou fundo no estilo do cinema policial americano
dos anos 70, cerebral e febril, com generosas doses de uma angústia e de uma
melancolia que faz de seu filme uma pequena obra-prima, que foge brilhantemente
do tom monocórdio dos filmes do gênero realizados em Hollywood. Apelando para a
ação e para a violência somente quando ela é estritamente necessária, o
cineasta pega o espectador de surpresa sempre que ela surge – abrupta, seca,
realista – para lembrá-lo que, afinal de contas, a história de amor entre o
protagonista e Irene não é um conto de fadas e sim, um romance nascido sob a
sombra do perigo e da corrupção. A fotografia espetacular de Thomas Newton
Sigel colabora com a sensação de desamparo e a trilha sonora – que soa como
deslocada temporalmente da narrativa – ilustra com precisão a tensão crescente,
banhando até mesmo as cenas mais românticas com um senso de desconforto que
culmina naquela que talvez seja a mais forte sequência do filme, dentro de um
elevador, que parte de um beijo para um banho de sangue que mistura o explícito
com a sugestão – e que encontra parâmetros somente na inesquecível cena em que
Edward Norton assassina um homem negro em “A outra história americana”.
Mas se o roteiro de Amini se presta a
mais de um gênero sem prejuízo de nenhum deles (é uma história de amor, um
violento policial ou um denso drama intimista, dependendo do olhar do
espectador), a direção de Nicolas Winding Refn é igualmente impecável: desde a
concepção visual do filme – a jaqueta que Ryan Gosling usa em cenas-chave da narrativa
já é um ícone de sua época – até o desenho de seus personagens (do protagonista
aos coadjuvantes), tudo funciona como um relógio em “Drive”. Ryan Gosling
entrega uma atuação avassaladora, criando um anti-herói de poucas palavras que
transmite com um único olhar mais do que longos diálogos e encontra parceiros
de cena do mais alto calibre. Se Carey Mulligan é o retrato da doçura, Albert
Brooks surge assustador como o vilão Bernie Rose; se Oscar Isaac cria um
personagem que foge do clichê “ex-presidiário ameaçador” com uma interpretação
com mais nuances do que o normal em um filme policial, Bryan Cranston (da série
“Breaking Bad”) igualmente não deixa o espectador prever os atos do seu. Todos
importantes no xadrez criado pela trama – que os coloca como aliados ou
inimigos de acordo com as circunstâncias – eles são dirigidos com enorme
segurança por Refn, que imprime uma elegância nórdica mesmo quando filma
sequências de violência extrema. Esse requinte, somado ao elenco superlativo e
à inteligência de jamais apelar para o previsível, é que faz de “Drive” um
filme obrigatório e essencial para entender sua época – aliás, justamente como
acontece com sua inspiração maior, “Taxi driver”, deverá ser lembrado ainda por
muitos anos como um dos grandes thrillers policiais realizados pelo cinema
americano.
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