Mavis Gary é uma escritora de
sucesso. Quer dizer, em termos: ela é a ghost-writer uma série de livros
adolescentes (mercado que nos EUA recebe o nome pomposo de “literatura para
jovens adultos”) que está com os dias contados. Passa os dias curando ressacas
fenomenais à base de litros homéricos de Diet Coke e programas ruins de
televisão. É arrogante, egoísta e imatura. Vive em Minneapolis mas não consegue
esquecer que saiu de uma pequena cidade do interior, onde ainda moram os pais –
com quem mal se comunica. Um dia, curtindo uma depressão rotineira e
pressionada pelos editores que cobram o último livro da série, Mavis recebe um
email de um antigo namorado, feliz e realizado com a chegada de seu primeiro
bebê. É o que basta para acordá-la do marasmo: munida da certeza de que o rapaz
é o grande amor de sua vida e que está insatisfeito com a vida medíocre que
leva, Mavis pega a estrada na companhia de seu fiel cachorrinho Dolce com o
objetivo de declarar-se a ele e juntos recomeçarem sua história de amor
interrompida anos antes.
Mavis Gary não é exatamente uma
pessoa das mais agradáveis. Mas, apesar de ser perigosamente parecida com muita
gente, é apenas uma personagem criada pela mente de Diablo Cody, a ex-stripper
que ganhou um Oscar pelo roteiro de “Juno”, em 2008. Dona de características
bem pouco afáveis e um caráter não exatamente dos melhores, Mavis só não é
francamente repulsiva porque é interpretada com veracidade e inteligência por
Charlize Theron, uma atriz tão dotada que consegue o impossível: dar-lhe alma e
uma série de nuances que, em mãos outras, jamais seriam tão exploradas.
Injustamente esquecida pela Academia por seu desempenho irretocável, Theron
carrega nas costas o filme de Jason Reitman, uma comédia amarga, melancólica
mas bastante ácida que faz um retrato pouco elogioso do american way of life sem que, para isso, precise apelar para o riso
fácil ou a caricatura. Assim como nos trabalhos anteriores de Reitman – em
especial “Obrigado por fumar” (06) e “Amor sem escalas” (09) – o humor se faz
pela ironia e pelo desenho dos personagens, tão reais que poderiam estar
sentados ao lado do espectador.
Quando Mavis chega à sua cidade natal, Mercury, dotada de toda a prepotência de alguém que se considera superior a todo o resto da humanidade, o público ainda não sabe do que ela é capaz para atingir seus objetivos – e talvez nem mesmo ela saiba. É somente quando ela encontra um antigo colega de escola, Matt Freulach (o ótimo Patton Oswaldt) que sua personalidade real começa a aflorar diante da plateia. Vítima de um espancamento na adolescência – que deixou de ser um crime de ódio quando descobriu-se que na verdade ele não era gay como se pensava – Matt vive com a irmã, carrega sequelas pesadas da surra e é o típico nerd que coleciona bonequinhos e faz bebida artesanal na garagem. Por uma certa ironia do destino, é justamente ele quem irá se tornar o confidente e o grilo falante de Mavis quando ela começar sua cruzada romântico/kamikaze pelo amor do pacato Buddy Slade (Patrick Wilson, simpático e apático como sempre). Casado, feliz e sem ter a menor ideia dos planos nefastos de sua ex-namorada, Buddy a recebe de braços abertos – e dá início a um processo que abrirá antigas feridas há muito cicatrizadas.
Apesar de fazer de Mavis uma
adorável vilã – com diálogos que de tão ácidos tornam-se muito engraçados – o
roteiro de “Jovens adultos” não a trata com condescendência. Mesmo que ela
tenha seus motivos para destilar tanta amargura (motivos que são explicados na
melhor cena do filme, quando ela toma um porre na festa de batizado do bebê de
Buddy), Cody e Reitman fogem da tentação de engendrar um final bonitinho e
redentor para sua protagonista, que tampouco aprende, em seu caminho, aquelas
lições de vida que tanto agradam aos produtores hollywoodianos. Como a vida das
pessoas de Mercury, a existência de Mavis não deixa de ser medíocre como todo
mundo pensa, e nem ela é tão famosa quanto gostaria de ser. Sua arrogância –
que desfila diante da recepção do hotel em que se hospeda, nos bares
pasteurizados onde encontra Buddy e até nas lojas de departamento onde procura
roupas “para reconquistar meu namorado” (em uma sequência impagável) – é fruto
de um profundo senso de inferioridade, que se revela frequentemente em seu
desespero em parecer importante. No fundo, Mavis é a personagem mais digna de
pena do filme – mas nem por isso menos passível de críticas. E é aí, nessa
complexidade, que reside o brilhantismo de Charlize Theron.
Linda como sempre, Theron deita e
rola como Mavis Gary. Sem medo de despertar a antipatia do público, ela entrega
uma interpretação desprovida de maneirismos, equilibrando o tom quase surreal
de seus objetivos com um naturalismo espantoso que deixa verossímil até mesmo
um inesperado encontro sexual que, de certa forma, ilumina o verdadeiro tema do
filme de Reitman: a solidão. “Jovens adultos” – um título apropriado e dotado
de um duplo sentido bastante feliz – fala sobre o medo de ficar só, sobre a
desorientação de uma geração e sobre
falso dourado da fama e da glória sem cair em pregações morais ou
sentimentalismo barato. É mordaz e realista dentro de suas limitações de gênero
cinematográfico. E mais uma prova do talento de Reitman em fazer o espectador
rir de si mesmo e de suas mazelas interiores. Um belo (e subestimado) filme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário