2 indicações ao Oscar: Atriz (Michelle Williams), Ator Coadjuvante (Kenneth Branagh)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz em Comédia/Musical (Michelle Williams)
Via de regra, cinebiografias
tropeçam nas próprias ambições e esbarram na maior das dificuldades do gênero:
contar em cerca de duas horas a vida inteira de alguém cuja existência
justifique um filme. Tal dificuldade resulta em produções frequentemente
superficiais que preferem passar ao largo de momentos cruciais na trajetória de
seus protagonistas como forma de resumir, em uma duração palatável ao gosto do
público médio, um arco de existência que vai do nascimento à morte. Às vezes,
nem mesmo uma minissérie de TV seria capaz de dar conta da quantidade de
informações e acontecimentos – e filmes como “Gandhi” e “Chaplin”, ambos, não
por coincidência, de Richard Attenborough, acabam por ficar aquém do que
poderiam. Como forma de sanar um pouco esse problema de superficialidade, o
cinema americano encontrou uma saída inteligente que acabou virando tendência:
escolher determinado momento na vida/carreira dos biografados e concentrar seu
foco em períodos de tempo muito mais compactos. Tal opção funcionou muito bem
em “Capote”, de Bennett Miller – que deu o Oscar de melhor ator a Philip
Seymour Hoffman e concorreu nas categorias de filme, diretor e roteiro adaptado
– e “Steve Jobs” – que apesar de ter dividido a crítica, deu a Michael
Fassbender e Kate Winslet chances de concorrer à estatueta e à Aaron Sorkin o
Golden Globe de melhor roteiro. Não deu tão certo assim em “Hitchcock”, de
Sacha Gervasi, que atolou-se em uma direção medíocre. E resultou apenas morna
em “Sete dias com Marilyn”.
Baseado em um livro escrito por Colin
Clark – diretor de documentários que registrou em diários sua relação fugaz com
Marilyn Monroe, a maior estrela de Hollywood nos anos 50 – o filme de Simon
Curtis acerta em não tentar contar em seus 90 minutos de duração toda a
existência conflituosa e recheada de complexos dramas psicológicos da atriz,
mas não consegue, infelizmente, ultrapassar a superfície de uma das mais
fascinantes personagens que o cinema americano já forjou – e que existia de
verdade, sem que houvesse a necessidade de acrescentar à sua vida nenhum tipo
de dramas. Apenas passando por cima da razão das carências emocionais de
Marilyn e tocando com uma rapidez quase tímida momentos de extrema importância
à vida futura da estrela (o aborto espontâneo sofrido no período de tempo
retratado pelo roteiro), o filme de Curtis funciona como entretenimento leve,
mas falha em ser uma homenagem a um dos maiores ícones do cinema americano às
vésperas do 50º aniversário de sua morte.
O filme se passa em 1956, quando
Marilyn já era a atriz mais famosa e desejada de Hollywood e chega à Inglaterra
para estrelar a comédia romântica “O príncipe encantado”, convidada
especialmente pelo astro do filme, Laurence Olivier, disposto a conquistar uma
nova geração de espectadores que não se deixavam impressionar por seu currículo
shakespereano. O problema é que Marilyn não chega sozinha à pequena cidade onde
o filme será rodado: com ela, junto com uma dúzia de problemas de autoestima e
insegurança, está o marido Arthur Miller – autor de clássicos do teatro
americano - e sua instrutora de interpretação, Paula Strassberg, esposa do
infame Lee Strassberg, criador do Actor’s Studio. Dependente quase total da
opinião de Paula e dos remédios para dormir, Monroe não demora a desafiar a
paciência de toda a equipe, incluindo Olivier, que não parece estar disposto a
tolerar os atrasos constantes e a falta de compromisso da estrela. Apenas a
veterana Sybil (Judi Dench) e o terceiro assistente de direção do filme, Colin
(Eddie Redmayne) dão apoio incondicional à bela atriz – e ela acaba se
encantando com o rapaz, para surpresa e desespero de todos.
Michelle Williams concorreu ao Oscar
por seu desempenho na pele de Marilyn. Mereceu. Apesar de não ser exatamente
parecida com o mito, Williams injeta tanta personalidade e sensibilidade a seu
trabalho que o espectador não demora a comprar a ideia de que está realmente
diante da mulher que sacudiu o mundo em filmes como “O pecado mora ao lado” e
“Quanto mais quente melhor” – realizado logo em seguida e considerado o melhor
trabalho de sua carreira. Mesclando momentos de candura e timidez com outros em
que transmite o vulcão de sensualidade que fez de Monroe o mais duradouro
símbolo sexual da história, Williams explora com inteligência tudo que o
roteiro lhe oferece, tratando sua personagem com respeito e coerência, jamais
caindo na armadilha de fazer dela uma vítima ou retratá-la como a loira burra,
imagem que a estereotipou até sua trágica morte, em agosto de 1962. Sua
interpretação é de uma sutileza comovente – com apenas um olhar, Williams fala
mais do que outras estrelinhas que Hollywood insiste em empurrar para a plateia
em longos discursos.
Mas se Michelle Williams dá um
espetáculo com seu desempenho, seu elenco coadjuvante não fica atrás. Em um
toque de mestre, o diretor Simon Curtis escalou Kenneth Branagh – irlandês que
tornou-se famoso no cinema como uma espécie de representante oficial de Shakespeare
nos anos 90, com filmes como “Henry V”, “Muito barulho por nada” e “Hamlet” –
para interpretar Laurence Olivier – britânico que, nas décadas de 40 e 50,
fazia o mesmo, a ponto de ganhar um Oscar por “Hamlet”. Esse sutil toque
metalinguístico – Olivier chega a citar o bardo em uma sequência perto do final
do filme – é um rasgo de inteligência que quase torna perdoável escalar a
insossa Julia Ormond para viver a espetacular Vivien Leigh: mesmo que fosse
mais velha que Marilyn, Leigh ainda era linda e elegante em 1956, coisa que
Ormond apenas sonha em ser. Se na vida real era questionável alguém
apaixonar-se por Monroe tendo Leigh em casa, no filme tal opção torna-se muito
mais compreensível – se era essa a intenção do diretor, palmas a ele. Caso contrário,
foi um tiro no pé. Diante de Ormond nem é preciso muito para que Michelle
Williams brilhe e justifique o carisma imortal de Marilyn.
Quanto ao roteiro, “Sete dias com
Marilyn” fica apenas na média. Não aprofunda as relações entre a atriz e Colin
(Eddie Redmayne antes de ficar famoso e ganhar o Oscar por “A teoria de tudo”)
nem dá foco ao que poderia ser um delicioso retrato dos bastidores de uma
filmagem. Toda vez que o filme se concentra na fúria de Olivier em ter que
aturar os atrasos e inconstâncias de Marilyn, o filme de Curtis cresce e se
torna interessante. Quando se desvia para o romance hesitante entre Monroe e
Clark – um personagem mal escrito e interpretado com apatia por Redmayne – cai
no lugar-comum que acaba por transformá-lo em um filme apenas razoável. Serve
como curiosidade e para admirar o trabalho de Michelle Williams e Kenneth
Branagh – ambos, aliás, merecidos candidatos à estatueta da Academia.
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