UM DIA (One day, 2011, Focus Features, 107min) Direção: Lone Scherfig. Roteiro: David Nicholls, romance de David Nicchols. Fotografia: Benoit Dellhome. Montagem: Barney Pilling. Música: Rachel Portman. Figurino: Odile Dicks-Mireaux. Direção de arte/cenários: Mark Tildesley/Dominic Capon. Produção executiva: Tessa Ross. Produção: Nina Jacobson. Elenco: Anne Hathaway, Jim Sturgess, Patricia Clarkson, Romola Garai, Rafe Spall. Estreia: 08/8/11
Parafraseando Nelson Rodrigues, "envergonha-me estar aqui proclamando o
óbvio", mas, ao assistir-se à adaptação para o cinema de um livro
querido é preciso estar perfeitamente ciente de que é virtualmente
impossível ficar totalmente satisfeito. Isso acontece com uma raridade
impressionante. Aconteceu com "As horas", magistral transição do romance
de Michael Cunninhgam por Stephen Daldry em 2002. Aconteceu de novo em
2007 com "Desejo e reparação", que Joe Wright dirigiu com base no
espetacular drama literário de Ian McEwan. Mas infelizmente não
aconteceu com "Um dia", que a dinamarquesa Lone Scherfig assina depois
do êxito de seu "Educação", que ano passado chegou a concorrer ao Oscar
de Melhor Filme. Tudo bem, o livro de David Nicholls não é uma
obra-prima como os citados trabalhos de Cunningham e McEwan, mas é uma
leitura deliciosa, ágil, comovente,engraçada e inteligente como poucas
conseguem ser. E sua versão em celuloide pode até não ser um filme que
vá ganhar estatuetas a granel, mas tem uma honestidade e uma simpatia
tão grandes que é difícil não relevar seus pecadilhos.
Ao acompanhar vinte anos na vida de um casal de amigos que se conhece na
formatura da faculdade - e que nunca deixam de se falar, escondendo até
deles mesmos a paixão que sentem um pelo outro - o roteiro de David
Nicholls falha em fazer um inventário de sonhos despedaçados,
relacionamentos frustrados e outras tantas decepções pelas quais todos
passamos. Enquanto no livro tudo é emocionante e frequentemente
hilariante devido à prosa esperta do autor, no filme as coisas acontecem
com uma velocidade tão grande que muitas vezes os protagonistas não
conseguem atingir o grau de realismo e densidade necessários.
Logicamente é preciso muito malabarismo para condensar duas décadas em
pouco mais de cem minutos de projeção, mas a pressa com que o roteiro
passa por momentos cruciais das personagens - em especial quando eles
finalmente começam a amadurecer - acaba prejudicando sua complexidade,
deixando-os quase como duas personagens clichê de comédias românticas, o
que - e quem leu o livro sabe disso - não pode estar mais longe da
verdade.
Dexter Mayhew (vivido com graça e carisma por Jim Sturgess) e Emma
Morley (interpretada pela linda e talentosa Anne Hathaway) são
apaixonantes. Ele é sedutor, imaturo, no limite do egocentrismo. Ela é
inteligente, ambiciosa e idealista. Eles passam a noite juntos no dia 15
de julho de 1988 e prometem ser amigos. Ele torna-se apresentador de um
programa ruim de TV, envolve-se com drogas, mulheres e um certo tipo
nocivo de fama até se casar com uma mulher que não ama (Romola Garai, de "Desejo e reparação"). Ela vira garçonete, inicia um relacionamento com um
aspirante a humorista (Rafe Spall) mas jamais desiste de ser uma escritora. Eles
nunca deixam de se falar. Mas são incapazes de perceber que se amam (ou
pelo menos escondem esse sentimento tão fundo que desenterrá-lo pode
trazer mais dor do que felicidade). Até que um dia...
Os românticos irão se deliciar com "Um dia". É um filme lindamente
fotografado, com uma bela trilha sonora de Rachel Portman, dirigido com
sensibilidade e leveza e repleto de um clima de delicadeza que se torna
patente quando o roteiro permite que Sturgess brilhe com seu perdido
Dexter (em especial em suas cenas com o ótimo Ken Stott, que interpreta
seu pai ou com a sempre eficiente Patricia Clarkson, que interpreta sua mãe) ou com sua química com Hathaway (ainda que ela esteja aquém das
possibilidades mostradas em filmes como "O casamento de Rachel" ou até
mesmo em "Amor e outras drogas" e nem sempre consiga sustentar o sotaque inglês). É uma história de amor que emociona
por tratar de pessoas de verdade e por fugir (dentro de suas
possibilidades) de um final previsível. Quem leu o livro vai dizer (com
razão) que poderia ser melhor. Mas ainda assim é um belo programa para
os fãs do gênero e tem tudo para tornar-se cult com o passar dos anos.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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