KILLER JOE, MATADOR DE ALUGUEL (Killer Joe, 2011, Voltage Pictures, 98min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Tracy Letts, peça teatral de Tracy Letts. Fotografia: Caleb Deschanel. Montagem: Darrin Navarro. Música: Tyler Bates. Figurino: Peggy Schnitzer. Direção de arte/cenários: Franco Giacomo-Carbone/Alice Baker. Produção executiva: Vicki Cherkas, Molly Conners, Zev Foreman, Roman Viaris, Christopher Woodrow. Produção: Nicolas Chartier, Scott Einbinder. Elenco: Matthew McConaughey, Emile Hirsch, Thomas Haden Church, Gina Gershon, Juno Temple. Estreia: 08/9/11 (Festival de Veneza)
William Friedkin tinha 77 anos de idade quando dirigiu "Killer Joe, matador de aluguel", sua segunda incursão no universo teatral do ator e dramaturgo Tracy Letts, de quem já havia adaptado o suspense psicológico "Possuídos", em 2006. A menção da idade do cineasta não é gratuita: mesmo perto de completar oito décadas de vida - metade dela dedicada à sétima arte - o homem por trás de sucessos de bilheteria e crítica como "Operação França" (71) e "O exorcista" (73) demonstra invejável energia e um mórbido senso de humor em uma trama regada à violência extrema, sensualidade mórbida e uma amoralidade de arrepiar os cabelos dos conservadores de plantão. Não à toa, foi um dos primeiros filmes a empurrar o ator Matthew McConaughey em direção ao prestígio que culminou com seu Oscar por "Clube de compras Dallas", lançado dois anos depois. Na pele de um assassino de aluguel sem vestígios de ética ou moral, o ex-galã de comédias românticas bobas e despretensiosas se despe de qualquer preconceito e entrega uma atuação corajosa e visceral, infelizmente ignorada pelas cerimônias de premiação justamente por sua ousadia.
McConaughey o personagem-título, um detetive de polícia que complementa (e muito) a renda fazendo servicinhos extras, como assassinar pessoas. Ele é procurado pelo desesperado Chris Smith (Emile Hirsch, cada vez melhor e mais intenso), que, acumulando dívidas de jogo com bandidos pouco cerimoniosos na hora de cobrar o que lhes é devido, precisa urgentemente de sua parte no seguro de vida de sua mãe, com quem tem uma relação pouco amistosa. Para contratar Joe, o rapaz convence a fazer parte do plano seu próprio pai, Ansel (Thomas Haden Church) - separado há anos da futura vítima e agora casado com a vulgar Sharla (Gina Gershon) - e sua irmã caçula, Dottie (Juno Temple), a beneficiária do seguro. Sem grana para pagar o adiantamento ao estranho assassino, Chris e Ansel aceitam oferecer-lhe como garantia a ingênua Dottie, por quem ele sente uma irresistível atração quase pedófila, mas as coisas, como se poderia esperar, saem do controle antes mesmo que eles decidam mudar de ideia a respeito do nefasto plano.
Sem poupar a audiência de uma violência rara e realista cada vez mais rara no anêmico cinema comercial americano, Friedkin também mergulha fundo em uma sexualidade perturbadora, explorando o relacionamento doentio entre Joe e Dottie - uma menina que, além de mais jovem tem perceptíveis problemas mentais - em cenas de deixar qualquer espectador mais conservador arrepiado de indignação. Sem hesitação em deixar seus atores vulneráveis (e portanto totalmente entregues a seus personagens), o veterano cineasta arranca de todos performances memoráveis, com um roteiro que abdica de um heroi, elegendo como protagonista um homem que, a despeito de sua profissão e preferências sexuais, tem um código de ética mais rígido do que qualquer integrante da família que o contrata. No entanto, por incrível que pareça, a falta de qualquer limite moral dos personagens criados por Letts - e sua consequente nulidade em conquistar a identificação da plateia - acaba sendo um de seus maiores trunfos: desobrigada de qualquer simpatia com Chris, Joe e demais envolvidos na trama, a audiência acaba por testemunhar suas desventuras com o distanciamento ideal, só rompido com a insistência de Friedkin em encharcar a tela de sangue e uma crueldade que chega às raias do humor negro - constatação que fica ainda mais evidente em seu clímax.
Comentado desde a estreia do filme no Festival de Veneza, o desfecho de "Killer Joe", quando todos os personagens são confrontados com verdades pouco confortáveis que levam a um banho de sangue de dar inveja a Quentin Tarantino e seus seguidores menos talentosos, é, no mínimo, desconfortável. Basta dizer que uma coxinha de frango frita nunca mais será vista da mesma forma depois do final da sessão - não à toa, um dos cartazes do filme estampava uma, em mais uma brincadeira ousada dos realizadores. Sem medo de ferir suscetibilidades e apostando na vontade do público em ser surpreendido e tratado como adulto, o trabalho de Friedkin é um dos policiais mais tensos, brutais e potentes de sua época. Coisa de quem sabe o que está fazendo.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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