Baseado na peça teatral de "A most dangerous method", escrita pelo roteirista Christopher Hampton - por sua vez inspirado no livro de John Kerr já publicado no Brasil - "Um método perigoso" não mostra todas as aberrações visuais dos filmes mais conhecidos do diretor, preferindo centrar-se nos diálogos inteligentes e nas neuroses dos protagonistas, todos eles de grande importância para a psicanálise como a conhecemos hoje em dia. Ao abdicar também da violência com que vinha trabalhando em seus últimos projetos - "Marcas da violência" e "Senhores do crime", ambos estrelados por Viggo Mortensen - Cronenberg demonstra uma maturidade muito bem-vinda e uma segurança na direção de atores que justifica os elogios rasgados que o filme recebeu desde sua estreia no Festival de Veneza de 2011, apesar de ter falhado em conquistar a atenção da Academia, que ignorou o completamente o filme.
"Um método perigoso" conta o nascimento da psicanálise, através da relação entre Carl Jung (Michael Fassbender em outra atuação notável) e sua jovem paciente Sabina Spielrein (Keira Knigthley usando e abusando das caras e bocas), com a qual ele se permite utilizar um novo estilo de tratamento, ainda inédito então, no qual o médico busca a cura das psicoses (esquizofrenias e todas as variantes possíveis) através de longas e constantes conversas. O tratamento com Sabrina - jovem, bela, inteligente e que encontra prazer na violência física por razões que acabam sendo descobertas no decorrer do tratamento - acaba confundido Jung, que acaba se envolvendo sexualmente com ela, para desgosto de seu mentor, Sigmund Freud (Viggo Mortensen, indicado ao Golde Globe de ator coadjuvante apesar de apresentar um trabalho apenas mediano). Os relacionamentos de Jung - com Sabrina e com Freud - são o cerne do roteiro de Hampton, e é sorte de Cronenberg contar com um inspiradíssimo Michael Fassbender para dar credibilidade e complexidade a todas as nuances de um personagem que poderia facilmente cair na caricatura ou no egocentrismo. Diferente da atuação de Keira Knigthley, que torna risível os potentes dramas de sua personagem.
Logicamente é um filme para leigos, o que de certa forma deixa a desejar em termos históricos ou médicos. O roteiro de Hampton - vencedor do Oscar pelo sensacional "Ligações perigosas" - se dedica muito mais às personagens e suas relações do que com suas consequências históricas, o que não deixa, no entanto de ser um assunto tão atraente quanto. A reconstituição de época caprichada e a belíssima fotografia dão consistência à trama, e o ritmo pacífico imposto por Cronenberg serve muito bem ao espírito clássico da obra, um trabalho sensível que conta ainda com uma participação mais do que especial de Vincent Cassel, que quase rouba a cena na pele de um amigo de Jung que o incentiva a abandonar seus pudores e se entregar ao desejo por Sabrina. Suas cenas com Michael Fassbender são hipnotizantes, bem mais do que aquelas que deveriam ser as mais importantes do roteiro - e que mostram os embates intelectuais entre Jung e Freud (um papel que provavelmente teria sido melhor aproveitado pela escolha inicial do diretor, Christoph Waltz). Essa pequena falha, no entanto, não atrapalha o resultado final de um filme sério e adulto que é tratado como tal.
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