sexta-feira

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO (12 years a slave, 2013, Regency Enterprises/River Road Entertainment, 134min) Direção: Steve McQueen. Roteiro: John Ridley, livro de Solomon Northup. Fotografia: Sean Bobbitt. Montagem: Joe Walker. Música: Hans Zimmer. Figurino: Patricia Norris. Direção de arte/cenários: Adam Stockhausen/Alice Baker. Produção executiva: John Ridley, Tessa Ross, Bianca Stigter. Produção: Dede Gardner, Anthony Katagas, Jeremy Kleiner, Steve McQueen, Arnon Milchan, Brad Pitt, Bill Pohlad. Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Lupita Nyong'o, Sarah Paulson, Benedict Cumberbatch, Paul Dano, Paul Giamatti, Brad Pitt. Estreia: 30/8/13 (Festival de Telluride)

9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Steve McQueen), Ator (Chiwetel Ejiofor), Ator Coadjuvante (Michael Fassbender), Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong'o), Roteiro Adaptado, Montagem, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor de 3 Oscar: Melhor Filme, Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong'o), Roteiro Adaptado
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme/Drama 

A ainda curta filmografia em longa-metragem do cineasta Steve McQueen - até então restrita a dois nomes, os poderosos "Hunger" e "Shame" - ganhou um importante terceiro capítulo com "12 anos de escravidão", um filme que se utiliza de seu requintado senso estético para contar uma trama pungente e cruel sobre um dos períodos mais nefastos da história da humanidade. Baseado em um história real, seu trabalho - premiado com um Golden Globe de melhor drama e três estatuetas do Oscar, incluindo melhor filme) - tem um apelo mais universal do que os anteriores, mas, assim como eles, prescinde dos clichês ao evitar o sentimentalismo fácil, armadilha na qual os filmes sobre o tema frequentemente caem. Se a intenção do espectador é emocionar-se com longas sequências de maus-tratos ao som de um música grandiloquente e discursos empolados sobre liberdade, o filme não é este. "12 anos de escravidão" é forte, sim, mas sua força reside justamente em seu distanciamento milimetricamente calculado para emocionar sem pieguice.

O roteiro repleto de elipses - o que tanto ajuda na agilidade quanto atrapalha na compreensão de alguns fatos para quem está acostumado à maneira quase didática com que Hollywood normalmente trata seu público - talvez seja o primeiro fator de estranhamento do filme de McQueen."12 anos de escravidão" já começa sem explicar muito, deixando a audiência tão atônita quanto o protagonista, que se vê, sem entender muito o que está se passando, como um escravo, muito tempo depois de já ter sido liberto e ter uma vida como um homem comum nos EUA pré-Guerra de Secessão. É aos poucos que a trama começa a ser explicada, e mesmo assim, não de maneira linear. O roteirista John Ridley (também oscarizado) parece ter compreendido exatamente o estilo do cineasta, preferindo mostrar a luta do protagonista pela reconquista da liberdade mais através de imagens poderosas do que por diálogos - não chega a ser nervosamente silencioso como seus filmes anteriores, mas aposta acertadamente nas sensações em detrimento da manipulação sentimental.


E é a opção de Steve McQueen em fugir da manipulação o grande diferencial de seu filme. Por ser negro - e consequentemente ter uma ligação bastante emocional com o tema da obra - seria previsível que McQueen se deixasse levar pela tendência a enfatizar o lado fisicamente cruel da narrativa, forçando o espectador a emocionar-se com uma música redundante e interpretações exageradas. Seguindo o caminho oposto, ele prefere documentar a história sem subterfúgios outros que não o absurdo da situação, acreditando - acertadamente - que não é necessário aumentar o que já é sofrido o suficiente. A tática dá certo? Sim e não. Sim porque oferece mais ao público do que o esperado em termos de qualidade narrativa. Não porque talvez esse mesmo público - mal-acostumado que está - tivesse em mente mais um espetáculo de sadismo do que um libelo delicado à liberdade.

E não dá para falar de "12 anos de escravidão" - e louvar suas inúmeras qualidades - sem mencionar o elenco excepcional escalado por Steve McQueen. Chiwetel Ejiofor, até então um ator relegado a papéis coadjuvantes em filmes grandes ("Simplesmente amor" e "2012") ou papéis importantes em filmes bons pouco vistos ("Coisas belas e sujas") entrega uma performance silenciosa e expressiva no papel de Solomon Northup, um homem determinado a encarar seu destino sem deixar de perder a dignidade de ser humano - mesmo diante de atrocidades e golpes baixos. A estreante Lupita Nyong'o dá um show como a desesperada Patsey, objeto de desejo de seu senhor - e por isso mesmo alvo da ira de sua senhora - em pelo menos uma grande cena (seu Oscar de atriz coadjuvante foi mais do que merecido). E, se o elenco masculino conta ainda com bons momentos de Paul Dano e a presença do produtor Brad Pitt, é novamente Michael Fassbender (em seu terceiro trabalho com o diretor) quem rouba todas as cenas em que aparece. Como o cruel Edwin Epps, o ator alemão comprova seu imenso talento em um personagem a anos-luz de distância de seu militante político de "Hunger" ou o viciado em sexo de "Shame". Basta que apareça em cena para que Fassbender convença a audiência de sua maldade inerente. Não é pouca coisa.

No final das contas, "12 anos de escravidão" é um grande filme, contado com elegância e emoção nas medidas certas e que tem a ousadia de manter o estilo de seu diretor mesmo que ele não seja o que a grande massa espera. Vai fazer história, independente de ter sido eclipsado na cerimônia do Oscar pelos efeitos especiais de "Gravidade" - não teve um orçamento milionário, mas tem um coração imenso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hoje, me parece que podemos dizer que 12 Anos de Escravidão foi uma poucas bolas dentro da história recente do Oscar. Aliás, o Oscar acertou e os críticos erraram. 12 Anos de Escravidão permanece um filme digno, enquanto que os queridinhos da crítica Gravidade e Trapaça são considerados filmes chatos com os quais ninguém se importa. É a prova de que uma filme precisa de uma boa história, mais que efeitos especiais ou atores superatuando. Gravidade, Trapaça, Ela ou O Lobo de Wall Street não sustentam artisticamente como 12 Anos de Escravidão, um filme indiscutivelmente com uma grande história.
As reclamações dos críticos sobre 12 Anos de Escravidão foram bem bobas, francamente. Chamaram o filme de "burocrático", de violento (filmes violentos há às dúzias e os críticos não reclamam, e se deleitam com a sangueira nos filmes de Tarantino e Guy Ritchie), alguns não gostaram porque queriam que fosse uma pornografia de vingança estilo Django Livre enquanto que os mais conservadores queriam ver uma história fantasiosa de senhores de escravos "bonzinhos", estilo E O Vento Levou. Isso lembra algumas críticas negativas idiotas que fizeram contra a Lista de Schindler antes do Oscar, que, para o bem dos críticos, acabaram esquecidas.
O filme foi o que tinha de ser, um retrato realista de um sistema desumano.

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