Vencedor de 5 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Frank Capra), Ator (Clark Gable) Atriz (Claudette Colbert), Roteiro
Na primeira metade da década de 30, a Columbia Pictures não era exatamente uma grande potência dentre os estúdios de cinema de Hollywood – sua situação era tão humilhante que os presidentes da MGM e da Warner à época costumavam emprestar alguns de seus maiores astros para seus filmes como forma de castigá-los por alguma travessura. Foi assim, por exemplo, que Clark Gable (ainda antes de forjar sua eternidade no mundo do cinema com o épico “... E o vento levou”, lançado em 1939) acabou no elenco de “Aconteceu naquela noite”, uma produção barata e sem maiores ambições que, dirigida por Frank Capra, acabou por tornar-se um estrondoso sucesso de público e crítica – e, de quebra, foi a primeira produção da história a ganhar os cinco principais Oscar (filme, diretor, ator, atriz e roteiro). Pagando pena devido a seu escandaloso romance com Joan Crawford - que não agradou nem um pouco à MGM – Gable entrou no filme já com o pé esquerdo (à sua primeira reunião com Capra ele chegou bêbado e nem se deu ao trabalho de ser simpático) mas hoje é difícil ver outro ator no papel do cínico jornalista Peter Warne – e nessas horas é bom agradecer ao acaso o fato de ele ter sido recusado por Claude Rains e Robert Montgomery.
Aliás, o acaso jogou muito bem na
montagem da equipe de “Aconteceu naquela noite”. Se a recusa de Carole Lombard
em viver a mimada Ellie Andrews adiou em alguns anos seu casamento com Gable –
se é que eles se apaixonariam de verdade durante as filmagens – ela serviu para
que o papel caísse no colo de Claudette Colbert, que, aliás, não estava nem um
pouco interessada em voltar a trabalhar com Frank Capra depois do fracasso
comercial de seu primeiro encontro, “Filhos da fortuna” (27). Seu desinteresse
pelo projeto acabou minado pela insistência do cineasta, que lhe prometeu o
dobro de seu salário na Paramount por apenas quatro semanas de filmagens – a
atriz não apenas acabou aceitando o papel em um filme que não lhe agradava
(“acabei de fazer o pior filme da minha vida!”, ela confidenciou a uma amiga no
último dia de trabalho) como passou a perna em ninguém menos que Bette Davis,
interessadíssima em participar do projeto mas impedida pela Warner, com quem
tinha contrato.
O interesse de Davis, diga-se de passagem, era uma surpresa, já que praticamente ninguém em Hollywood parecia muito entusiasmado em fazer parte da comédia romântica de Capra. Colbert, por exemplo, foi a sexta atriz sondada para o papel central – nomes como Loretta Young, a já citada Carole Lombard e Myrna Loy já haviam declinado do convite – e Robert Montgomery chegou a anunciar a quem quisesse ouvir que o roteiro era o pior que ele já havia lido. Foi aí que Capra entrou na jogada e chamou Robert Raskin para reescrever tudo do começo. Baseado em um conto chamado “Bus stop”, escrito por Samuel Hopkins Adams e publicado na revista “Cosmopolitan” (a “Nova” dos EUA), Raskin acabou criando uma deliciosa e divertida história de amor que acabou por se tornar a maior das referências do gênero “comédia romântica” – uma influência sentida até os dias de hoje.
Dono de um frescor e de uma inteligência
que se mantém intactas mesmo depois de mais de sete décadas, “Aconteceu naquela
noite” deve muito de seu ritmo ágil e de sua capacidade de empatia à direção
elegante e esperta de Frank Capra, que mais tarde se tornaria um dos cineastas
mais importantes dos EUA ao equilibrar um otimismo à toda prova e doses
discretas de cinismo em filmes como “A felicidade não se compra” e “O galante
Mr. Deeds”. Imprimindo à sua narrativa um tom moderno e algumas ousadias nada
ameaçadoras, Capra conta a história de um amor nascido das diferenças, mas o
faz com um olhar impiedoso e paradoxalmente carinhoso. Ellie Andrews (Claudette
Colbert) é a herdeira de um empresário milionário que briga com o pai porque
ele não aceita seu casamento com o playboy King Westley (Jameson Thomas). Para
fugir do domínio paterno, ela pega um ônibus em direção à Nova York e se torna
alvo de uma caçada nacional – há até uma recompensa para quem conseguir
encontrá-la. Quem a encontra, por acaso, é Peter Warne (Clark Gable), um
jornalista recém demitido que vê na jovem a chance de uma volta por cima. Uma
série de imprevistos na viagem acaba por juntar os dois – sem que ela sequer
desconfie que ele tem interesses financeiros por trás de sua gentileza um tanto
rude. Logicamente, porém, as cartas acabam se embaralhando quando ele se
apaixona por ela – e passa a ser correspondido mesmo sem saber.
A trama simples de Riskin é levada
com humor e leveza da primeira à última cena, e o Oscar de roteiro é plenamente
justificado graças às inúmeras sequências antológicas preparadas pela trama. É
nesse filme, por exemplo, que Colbert mostra as pernas para conseguir uma
carona e que os dois atores são obrigados a comer cenouras cruas para matar a
fome. É de “Aconteceu naquela noite”, também, a famosa cena em que Gable mostra
o peito nu debaixo de sua camisa: à época era comum que se usasse uma outra
camisa por baixo da primeira e tal cena fez com que a venda das camisas de
baixo caísse a níveis alarmantes, a ponto de uma empresa ter pensado em
processar a Columbia (mal sabia ela que tudo aconteceu apenas porque o ator não
conseguia dizer o texto tirando mais de uma peça de roupa).
No final das contas, “Aconteceu
naquela noite” passou de azarão a campeão. Lançado em cinemas secundários nos
EUA, aos poucos o filme começou a demonstrar uma popularidade surpreendente, e
a Columbia aumentou o número de salas para ver-se alçada, ao final da
temporada, a um nível superior dentro da hierarquia dos estúdios. Vencendo os
cinco Oscar a que concorria – Colbert nem esperava ganhar e foi pega de
surpresa com a vitória no mesmo ano em que tinha outros dois filmes na disputa,
“Cleópatra” e “Imitação da vida” – a pequena obra-prima de Frank Capra é hoje
um exemplo mais do que acabado de tudo que uma comédia romântica pode (e deve)
ser.
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