O VINGADOR INVISÍVEL (And then there were none, 1945, Rene Clair Productions, 97min) Direção: Rene Clair. Roteiro: Dudley Nichols, romance de Agatha Christie. Fotografia: Lucien N. Andriot. Montagem: Harvey Manger. Música: M. Castelnuovo-Tedesco. Figurino: René Hubert. Direção de arte/cenários: Ernst Fegte/Edward Boyle. Produção: Rene Clair. Elenco: Barry Fitzgerald, Walter Huston, Louis Hayward, Roland Young, June Duprez, Judith Anderson, Mischa Auer, C. Aubrey Smith, Richard Haydn, Queenie Leonard. Estreia: 31/10/45
Publicado como romance em 1939 e lançado como peça de teatro em 1944 – com o
título modificado para “Os dez indiozinhos” – o instigante “O caso dos dez
negrinhos” adquiriu, com o tempo, a aura de uma das mais surpreendentes e
brilhantes tramas policiais de todos os tempos. Escrita pela inglesa Agatha
Christie, merecidamente conhecida como A Rainha do Crime, a história de um
justiceiro misterioso que se propõe a executar um grupo de pessoas culpadas de
outros assassinatos recebeu inúmeras versões para a TV e o cinema, mas nunca
atingiu a todas as suas possibilidades dramáticas. Quem mais perto chegou de
ser bem-sucedido na missão foi o francês René Clair, já trabalhando em
Hollywood. Com “O vingador invisível”, ele foi o mais fiel possível ao enredo
proposto pela escritora, pecado apenas por alterar sensivelmente seu desfecho –
erro no qual todos os remakes incorreram – e apostar em um senso de humor que,
se combina com a nacionalidade da autora, acaba por suavizar desnecessariamente
o suspense.
Assim como a peça e o livro – cujo título foi alterado para “E não sobrou nenhum”
para evitar as acusações de racismo feitas à época – a história de "O vingador invisível" começa com a
chegada de oito pessoas, desconhecidas entre si, à uma ilha, respondendo ao
chamado de um misterioso Mr. Owen, que, logo todos irão descobrir, não é
conhecido de nenhum deles. A essa primeira surpresa logo sucedem-se outras,
principalmente quando, na hora do jantar, todos os convidados (e o casal de
empregados contratados especificamente para a ocasião) são acusados, através de
uma gravação, de terem cometidos assassinatos e saído impunes de tais atos.
Chocados e surpreendidos, eles demoram a perceber outro objetivo radical de seu
anfitrião: somente depois da morte de dois dos presentes – em circunstâncias
que refletem uma cantiga infantil conhecida de todos – é que surge a realidade:
eles estão presos na ilha e irão morrer assassinados pela misteriosa pessoa que
os convidou – e que provavelmente é um deles.
Um dos maiores pecados do roteiro de Dudley Nichols é diluir a tensão psicológica do
texto original e esvaziar boa parte do drama dos personagens – que no filme
servem, de certa forma, a ser apenas potenciais vítimas de um dos primeiros
psicopatas da história da literatura policial a ser tratado com inteligência. É
assim que quase nenhum dos personagens criados por Agatha Christie consegue
envolver o público a ponto de causar empatia. Até mesmo o romance surgido entre
a jovem secretária Vera Claythorne (June Duprez) e Philip Lombard (Louis Hayward) não convence,
enquanto a tentativa de fazer humor com algumas sequências de pastelão
envolvendo o empregado Thomas Rogers (Richard Haydn) e o Príncipe Nikita Starloff (Mishca Auer) surgem como desvios de foco
desnecessários e bobos. A opção de René Clair em evitar o sangue também
enfraquece o resultado – nenhum corpo é mostrado explicitamente, e o que poderia
ser um diferencial interessante e elegante em relação aos baldes de sangue
despejados pelo cinema atual, acaba por ser anticlimático.
E por falar em anticlímax, é imprescindível dizer que o desfecho da trama
também não faz jus à obra original. Por mais que seja o mais próximo que o
cinema já chegou do livro, o final criado pelo cineasta decepciona o leitor
apaixonado e tira de quem nunca teve contato com o romance o impacto de um
desenlace dos mais corajosos da literatura policial. Ainda que um livro e um
filme tenham necessariamente linguagens diferentes – e o encerramento do livro
certamente é um desafio a qualquer roteirista – nada justifica a falta de força
dos momentos finais do filme. Até mesmo um dos grandes trunfos de suspense da
história (a destruição dos bonecos em forma de índios que enfeitam a sala de
jantar e que acontece a cada morte) é tratado banalmente por Clair, um cineasta
cujo currículo inclui obras festejadas, como “A nós, a liberdade” – que
inspirou Chaplin a criar seu “Tempos modernos” - mas que, apesar do sucesso de
crítica, não conseguiu ter a mesma desenvoltura em sua tentativa de adaptar
Agatha Christie. Ainda assim, é bom que se diga, “O vingador invisível” é a
melhor das adaptações do romance e da peça – que ainda espera um filme à altura
de sua genialidade.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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