Quando
recebeu o convite da Universal para adaptar o romance “O homem invisível”, de
H.G. Wells, o roteirista R.C. Sherriff tomou um susto: depois de ler o livro
(um clássico da ficção científica já no início dos anos 30), percebeu que todas
as 14 (!!) tentativas de adaptação feitas antes que ele assinasse contrato
fugiam radicalmente da história original. Não que os criativos roteiristas
anteriores mudassem um nome ou outro ou alterassem o desfecho da trama: eles simplesmente
chegavam ao extremo de transferir a narrativa para cenários e tempos
absolutamente díspares, como a Rússia czarista e Marte. Decidido a escrever uma
adaptação com o máximo possível de fidelidade, Sherriff acabou por atingir um
nível de excelência admirável. Dirigido por James Whale – de “Frankenstein” –
com sua habitual inteligência, “O homem invisível” é um dos mais interessantes
produtos do estúdio em sua fase de lucrar com histórias de monstros.
É só então que o público irá começar
a entender os motivos que levaram Griffin à situação em que se encontra. Como não poderia deixar de ser em histórias sobre cientistas malucos que desde sempre povoam a literatura e o cinema, o roteiro de Sheriff mostra o protagonista como vítima dos inesperados efeitos colaterais de uma experiência que não apenas o deixa invisível (e por consequência afeta drasticamente sua psique) como o joga em rota de colisão com seu sócio/rival, Arthur Kemp (William Harrigan) - um homem que aproveita a situação para livrar-se do homem que lhe impede o acesso à mulher que ama, Flora Cranley (Gloria Stuart, que mais de sessenta anos depois, voltaria a conhecer a fama ao ser indicada ao Oscar de coadjuvante por "Titanic", de James Cameron). Apaixonado por Flora, Arthur será o responsável por colocar a polícia e a população atrás de Griffin, em uma perseguição com consequências trágicas e brutais.
Mesclando com equilíbrio raro a
comédia física e um suspense que vai se acentuando gradualmente, James Whale
faz um filme ainda melhor do que sua mais famosa obra, “Frankenstein” (31).
Contando com a atuação impressionante de Claude Rains em seu primeiro papel no
cinema falado, Whale conduz sua narrativa de forma a jamais deixar que a
plateia antecipe o que virá pela frente. A forma com que o roteiro transforma
Griffin de vilão em anti-herói é brilhante (quando ele começa a ser caçado sem
piedade fica difícil não torcer por sua fuga) e o clímax do filme é dos mais
empolgantes do gênero - isso sem falar que Jack Griffin é um vilão dos mais
excitantes dos filmes da Universal, já que não hesita em matar qualquer um que
atrapalhe seus planos, como mostra a impressionante sequência de um desastre de
trem (realizada, vale lembrar, antes do advento dos efeitos digitais).
Realizado com elegância e sutileza
por um James Whale no auge da criatividade, “O homem invisível” se beneficia –
e muito – do talento de Claude Rains, que abre mão da vaidade ao interpretar um
personagem de quem só se conhece a voz até os minutos finais de projeção:
amparado por ótimos efeitos visuais, Rains consegue transmitir todas as nuances
de seu personagem através da modulação da voz, um desafio que cumpre com
louvor. É Rains a alma do filme – já que o corpo, obviamente, não é visto até o
desfecho – e faz dele um dos melhores do pacote de monstros da Universal.
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