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QUANDO FALA O CORAÇÃO

QUANDO FALA O CORAÇÃO (Spellbound, 1945, Selznick International Pictures, 111min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Ben Hecht, adaptação de Angus MacPhall, romance "The house of Dr. Edwardes", de Frances Beeding. Fotografia: George Barnes. Música: Miklós Rozsa. Direção de arte: James Basevi. Produção: David O. Selznick. Elenco: Ingrid Bergman, Gregory Peck, Michael Chekhov, Leo G. Carroll, Rhonda Fleming. Estreia: 31/10/45

6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Alfred Hitchcock), Ator Coadjuvante (Michael Chekhov), Fotografia em P&B, Trilha Sonora Original (Drama ou Comédia), Efeitos Visuais
Vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora Original (Drama ou Comédia) 

Poderia esperar-se tudo de um filme que reunisse a maestria técnica de Alfred Hitchcock, o surrealismo consagrado de Salvador Dali e as ainda revolucionárias ideias de Sigmund Freud. Mas "Quando fala o coração", o projeto que conseguiu tal proeza acabou por não assumir a importância devida na filmografia do mestre do suspense. Soterrado sob obras-primas incontestáveis como "Um corpo que cai", "Janela indiscreta" e "Psicose" - entre vários outros, ao gosto do freguês - o longa que misturou no mesmo pacote suspense, psicanálise e Ingrid Bergman acabou ficando marcado principalmente pela breve sequência imaginada por Dali, uma ideia de Hitchcock acatada pelo produtor David O. Selznick mais pelas possibilidades comerciais de tal encontro do que exatamente pela coragem de experimentação.

Levemente inspirado no romance "The house of Dr. Edwardes", de Frances Beeding - uma obra muito mais radical em termos de mergulho na loucura - "Quando fala o coração" surgiu basicamente da ideia de Hitchcock em flertar com a psicanálise, um assunto ainda pouco abordado pelo cinema. Com os direitos do livro comprados por 40 mil dólares e um elenco formado por escolhas que não eram as originais - Gregory Peck no lugar de Joseph Cotten e Cary Grant, e Ingrid Bergman substituindo Dorothy McGuire e até uma Greta Garbo não convencida pelo cineasta a abandonar sua precoce aposentadoria - o filme acabou por decepcionar muita gente. Hitchcock o considerava apenas "mais uma história sobre a caçada a um homem, mas dessa vez envolvida em psicanálise". O fotógrafo William Cameron Menzies, responsável pelas cenas criadas por Salvador Dali, pediu que seu nome fosse retirado dos créditos por não ter ficado satisfeito com o resultado final. O diretor não se contentou com a atuação de Gregory Peck - que por sua vez não se enquadrava com os métodos do cineasta, que ia de encontro à sua forma de construção de cada cena. E, não bastasse tudo isso, até mesmo o produtor Selznick teve sua cota de desgosto, implicando com a trilha sonora de Miklós Rozsa - que, por ironia, ganhou o Oscar da categoria, batendo a si mesmo pela partitura de "Farrapo humano" (que ele preferia).


Abrindo seu filme com uma citação de Shakespeare - "A culpa não está em nossas estrelas, mas em nós mesmos", de "Júlio César" - Hitchcock volta a utilizar uma história de amor como base para uma trama de suspense. É o amor que move a dra. Constance Peters (Ingrid Bergman) - psicanalista dedicada - quando ela descobre que o novo diretor do hospital psiquiátrico no qual trabalha, o misterioso dr. Edwardes (Gregory Peck), não é quem diz ser. Amnésico, ele assumiu a identidade do médico e passa a acreditar que o matou. Apaixonada, Constance junta-se a ele na busca pela verdade, e para isso, faz uso de seu conhecimento de psicanálise, assim como da ajuda de um antigo professor (Michael Chekhov, indicado ao Oscar de ator coadjuvante). Seu objetivo, além de descobrir quem é de verdade o homem que ama e os motivos de seu trauma, é desvendar o desaparecimento e a morte do verdadeiro diretor do hospital.

Longe do brilhantismo de seus melhores trabalhos, Hitchcock parece ter se apaixonado tanto pelas teorias psicanalíticas do roteiro de Ben Hetch que muitas vezes deixa que longos diálogos substituam a ação que tanto marcou sua trajetória. Mesmo que algumas sequências sejam uma amostra do melhor do cineasta - quando Constance encara o verdadeiro criminoso e a câmera mostra a arma que ele porta através de seu ponto de vista, por exemplo - é inegável que o resultado é aquém de seus grandes filmes. Centrando suas forças na atuação sempre forte de Ingrid Bergman e nas reviravoltas do roteiro, Hitch acaba por abdicar das maiores qualidades de seu cinema. Mas é claro que, em se tratando de quem é, ele jamais decepciona totalmente - qualquer filme seu, por menor que seja, sempre é uma aula de narrativa e técnica. É impossível não se envolver com seus personagens ou suas histórias - e contar com a ajuda luxuosa de Dali e Freud não tem como atrapalhar.

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