NO SILÊNCIO DA NOITE (In a lonely place, 1950, Columbia Pictures, 94min) Direção: Nicholas Ray. Roteiro: Andrew Solt, adaptação de Edmund H. North, estória de Dorothy B. Hughes. Fotografia: Burnett Guffey. Montagem: Viola Lawrence. Música: George Antheil. Figurino: Jean Louis. Direção de arte/cenários: Robert Peterson/William Kiernan. Produção: Robert Lord. Elenco: Humphrey Bogart, Gloria Grahame, Frank Lovejoy, Martha Stewart, Carl Benton Reid. Estreia: 17/5/50
Quem teve a oportunidade de trabalhar com o cineasta Nicholas Ray – mais
conhecido por ser o autor do icônico “Juventude transviada” (55) e do faroeste
iconoclasta “Johnny Guitar” (54) – sabia que ele era capaz de mudar os roteiros
dos filmes que dirigia a seu bel-prazer, sem consultar produtores ou quem quer
que estivesse com a mão no dinheiro. Foi isso ele que fez, por exemplo, em “No
silêncio da noite”, seu segundo trabalho consecutivo com o ator Humphrey
Bogart, novamente por sua produtora, a Santana – o filme anterior havia sido o
contundente “O crime não compensa” (49). Baseado livremente em um romance de
Dorothy B. Hughes, Ray simplesmente resolveu mudar o final do roteiro (do qual
ele não era um dos autores) e, acompanhado apenas de Bogart, da estrela Gloria
Grahame (com o qual ele começou as filmagens casado) e de membros essenciais da
equipe, rodou um desfecho bem menos romântico do que o original. A autora do
livro, Hughes, que também era uma das roteiristas, não se importou com a
mudança sutil da última cena: se ela se importasse com coisas do tipo
provavelmente nem teria deixado seu nome nos créditos do filme.
Não que o filme de Ray seja ruim, muito pelo contrário. Acontece que, a
pedido do próprio Ray, o protagonista do livro de Hughes foi substancialmente
modificado em sua transição para as telas, já que o diretor tinha mais
interesse em falar sobre “o mal que existe dentro de todos nós” do que contar
apenas mais uma história policial. O resultado de mudança tão drástica em um
ponto tão crucial fala por si: “No silêncio da noite” não é um filme noir aos
moldes do que fazia Humphrey Bogart um dos maiores astros da década de 40, mas
sim um estudo sobre o controle (ou falta dele) de um estado de ânimo que beira
a violência e a agressão. Utilizando como pano de fundo a indústria de cinema –
coisa que o sensacional “Crepúsculo dos deuses” faria no mesmo ano, sob a
batuta de Billy Wilder – Ray conseguiu, ao mesmo tempo, realizar um thriller
dramático e uma crítica velada aos bastidores de uma Hollywood que nunca soube
exatamente como lidar com seu talento e sua subversão.
O protagonista do filme é Dix Steele (Humphrey Bogart), um roteirista de sucesso
que é convocado para escrever a adaptação de um romance pouco inspirado mas que
pode vir a tornar-se um grande êxito. Na mesma noite em que recebe a
incumbência, ele recebe em sua casa a jovem Mildred, que trabalha na chapelaria
do bar a que o roteirista frequenta e, como fã do livro a ser adaptado, aceita
contar a história a ele – que não está disposto a lê-lo. Algumas horas mais
tarde, os dois se despedem, a moça vai embora e é assassinada algum tempo
depois, estrangulada e jogada de um carro em movimento. Sabendo de sua visita a
Dix, a polícia o procura como um dos suspeitos – mesmo sendo ele amigo de um
dos policiais, . Uma das testemunhas que podem livrá-lo da suspeita é sua
vizinha, Laurel Gray (Gloria Grahame), com quem ele acaba se envolvendo em um
romance tenso e passional. Conforme as investigações a respeito da morte de
Mildred avançam, porém, Laurel começa a ter dúvidas a respeito da inocência de
Dix, que se mostra dono de uma personalidade brutal e explosiva, chegando
inclusive a espancar um jovem depois de uma rixa de trânsito. Tal possibilidade
começa a afastá-la do amante, mesmo que o medo que tenha de uma reação
desproporcional a uma tentativa de separação a mantenha paralisada.
Jogando com as chances de Dix ser ou não o assassino de Mildred – elemento
que aos poucos vai perdendo a importância no roteiro, que se dedica a mostrar
aos poucos todas as facetas do personagem para Laurel e a plateia – Nicholas
Ray constrói um brilhante exercício de tensão, valorizado pela interpretação
inspirada de Bogart e pela constante sensação de dubiedade enfatizada pelo
roteiro. Driblando as complicações dos bastidores – sua separação de Gloria
Grahame, por exemplo, que se casou com seu filho de outro casamento algum tempo
depois, obrigou o produtor Robert Lord a fazê-los assinar um termo de
compromisso em que se obrigavam a deixar os problemas fora das filmagens – Ray
assinou um filme incomum, que poderia ter sido muito diferente caso outras
escolhas tivessem se mantido. Enquanto o cineasta conseguiu convencer o
produtor a escalar sua então esposa Grahame para o papel principal – cotado
para Lauren Bacall ou Ginger Rogers – o ator John Derek, um dos astros de “O
crime não compensa”, foi afastado do projeto quando o roteiro mudou a faixa
etária do protagonista (mais jovem no romance que em sua versão para as telas).
Com Bogart e Grahame nos papéis centrais e a direção inteligente e sofisticada
de Ray, “No silêncio da noite” foge das obviedades e acaba por ser uma
experiência bastante interessante – ainda que talvez decepcione a quem espera
um policial convencional.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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