A PRINCESA E O PLEBEU (Roman holiday, 1953, Paramount Pictures, 118min) Direção: William Wyler. Roteiro: Ian McLellan Hunter, John Dighton (Dalton Trumbo). Fotografia: Henri Alekan, Frank F. Planer. Montagem: Robert Swink. Música: Georges Auric. Figurino: Edith Head. Direção de Arte: Hal Pereira, Walter Tyler. Produção: William Wyler. Elenco: Audrey Hepburn, Gregory Peck, Eddie Albert, Hartley Power, Harcourt Williams. Estreia: 21/8/53 (Londres)
10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (William Wyler), Atriz (Audrey Hepburn), Ator Coadjuvante (Eddie Albert), Roteiro Original, Fotografia em P&B, Montagem, Figurino em P&B, Direção de Arte/Cenários em P&B, História Original
Vencedor de 3 Oscar: Atriz (Audrey Hepburn), Roteiro Original, Figurino em P&B
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Audrey Hepburn)
À primeira vista, a trama central de “A princesa e o plebeu” pode fazer
lembrar – e muito – o enredo de “Aconteceu naquela noite”, vencedora comédia
romântica dirigida por Frank Capra em 1934. Não é por acaso: o próprio Capra tinha
intenções de comandar a história de amor entre um jornalista americano e uma
jovem herdeira do trono de um país qualquer da Europa, jamais identificado no
roteiro. Tinha, inclusive, escolhido seu par romântico, a ser formado por Cary
Grant e Elizabeth Taylor e queria filmar em locação, ou seja, levar equipe
inteira para Roma e acompanhar as aventuras de seus protagonistas com tudo a
que tinha direito. Lógico que as coisas não aconteceram como o previsto: a
companhia independente que o cineasta havia fundado com William Wyler e George
Stevens andava mal das pernas em 1949 e o projeto – caro especialmente devido à
sua logística internacional – acabou na mesa da Paramount. E foi então que tudo
começou a mudar.
Capra foi o primeiro a pular fora da produção – um dos motivos de sua
deserção foi o envolvimento do roteirista Dalton Trumbo, então investigado pela
infame Comissão de Atividades Antiamericanas que caçava comunistas na
comunidade hollywoodiana – e, com ele e com o ajuste do orçamento, a
possibilidade de contar com Elizabeth Taylor, já uma estrela de primeira
grandeza. Seu sócio, William Wyler – que já contava no currículo com o belo
“Tarde demais”, que havia dado o Oscar de melhor atriz à Olivia de Havilland –
não teve problemas em trabalhar com Trumbo, mas manteve pé na ideia inicial de
Capra de realizar as filmagens na capital italiana. A Paramount acabou
aceitando, mas com duas condições: nada do espetacular Technicolor desejado
pelo diretor e tampouco uma atriz de cachê exorbitante no papel principal.
Entra Audrey Hepburn.
Descoberta pela escritora francesa Colette para viver sua personagem Gigi na
peça teatral homônima, Hepburn não tinha nenhum filme no currículo quando foi
escolhida para viver a ingênua e travessa princesa Ann – que Wyler preferia ter
entregue à Jean Simmons, cuja negativa quase cancelou o projeto. Seu olhar
expressivo e seus modos delicados, porém, lhe garantiram a chance de
protagonizar um dos maiores sucessos de bilheteria de 1953 – e que acabou por
lhe render um Oscar e a admiração mundial de crítica e público, encantados por
seu desempenho natural e sua beleza clássica e frágil. A seu lado, um Gregory
Peck poucas vezes tão à vontade em um papel – ele também uma espécie de
estreante, já que nunca havia feito uma comédia, entrou no elenco graças à
desistência de Cary Grant (que, dependendo da fonte, recusou o papel por
considerar-se velho demais para contracenar com Hepburn ou por achar que seu
personagem seria eclipsado pela princesa voluntariosa interpretada por ela) e,
por uma dessas artimanhas do destino, chegou à Itália em depressão pelo
iminente fim de seu casamento e conheceu a francesa Veronique – com quem
casou-se logo em seguida, para o resto da vida.
Romance na vida real, romance nas telas. Mesmo que a impossibilidade de filmar
a capital italiana em cores – o que realçaria seu glamour e sua luminosidade –
seja algo a se lamentar no resultado final, o equilíbrio mais que perfeito
entre amor e humor do roteiro e a química excepcional entre os atores compensam
suficientemente. Dalton Trumbo – que ganhou o Oscar mas só foi reconhecido
oficialmente como tal décadas mais tarde, quando finalmente pode assumir a
autoria do roteiro, assinado à época por Ian McLellan Hunter e John Dighton –
construiu uma pequena pérola de comédia romântica, que usa e abusa dos
elementos do gênero com inteligência e a devida dose de ironia. Hepburn vive
Ann, uma jovem princesa que, em visita a várias capitais da Europa, resolve
desaparecer da vista de seus protetores para experimentar os prazeres da vida
de uma pessoa comum. Cansada dos enfadonhos compromissos oficiais que lhe
ocupam os dias incessantemente, ela foge durante a noite e, assumindo outro
nome e com o cabelo mais curto (que virou moda no Japão, o que é mais uma prova
do alcance do sucesso do filme) dá de cara com o simpático americano Joe
Bradley (Gregory Peck). Assim como o personagem de Clark Gable em “Aconteceu
naquela noite”, Bradley é um jornalista com o emprego em risco e que,
reconhecendo na jovem à sua frente a monarca que os jornais dizem estar
levemente adoentada, resolve aproveitar-se da situação para ganhar uma bela
grana. Com a ajuda de um amigo fotógrafo (Eddie Albert), ele assume o cargo de
cicerone da garota pelas ruas de Roma enquanto ela aproveita as delícias do
anonimato. Lógico que, também como no premiado filme de Frank Capra, ele se
apaixona pela bela princesa e passa a questionar sua decisão de expor a
verdade.
Sem pudor de utilizar de todos os elementos clássicos do gênero, o roteiro
de Dalton Trumbo encontrou na direção de William Wyler a leveza e o frescor
ideais, comprovando de vez o talento do cineasta em adaptar-se aos mais
variados estilos de narrativa – ele ganharia seu próprio Oscar seis anos
depois, pelo épico “Ben-hur” – e deixar seus atores brilharem com performances
muito acima da média. Sua vontade de afastar-se de Hollywood (leia-se o governo
americano e sua paranoia vermelha) por um tempo acabou por render a seu
currículo uma das comédias românticas mais fascinantes e brilhantes de todos os
tempos e o mérito de ter descoberto uma das maiores estrelas da sétima arte,
eternizada para sempre sorridente pelas ruas romanas em uma motocicleta
alugada. Coisa de mestre!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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