A FELICIDADE NÃO SE COMPRA (It's a wonderful life, 1946, Liberty Films, 130min) Direção: Frank Capra. Roteiro: Frances Goodrich, Albert Hackett, Frank Capra, estória de Philip Van Doren Stern. Fotografia: Joseph Biroc, Joseph Walker. Montagem: William Hornbeck. Música: Dimitri Tiomkin. Figurino: Edward Stevenson. Direção de arte/cenários: Jack Okey/Emile Kuri. Produção: Frank Capra. Elenco: James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Thomas Mitchell, Henry Travers. Estreia: 21/12/46
5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Frank Capra), Ator (James Stewart), Montagem, Som
Vencedor do Golden Globe de Melhor Diretor (Frank Capra)
É até difícil de acreditar, mas um dos filmes mais adorados pelas plateias
dos últimos sessenta anos – e capaz de emocionar ao mais renitente e cínico
espectador – foi um fracasso tão grande de bilheteria à época de sua estreia
que abreviou a vida do estúdio independente que lhe deu origem. Baseado em uma
pequena história publicada em um cartão de Natal, “A felicidade não se compra”
talvez seja o filme que melhor ilustra as características da obra do cineasta
Frank Capra, um dos mais populares e importantes diretores da era de ouro de
Hollywood. Impregnada de otimismo, senso de humor, delicadeza e uma grande dose
de ingenuidade, a história de um homem simples que em momentos de desespero
reencontra a razão de viver através de um anjo disposto a conquistar suas
almejadas asas foi sobrepujada, em seu lançamento, pelo êxito do drama
pós-guerra “Os melhores anos de nossas vidas”, tanto nas bilheterias quanto no
reconhecimento da Academia. Mas bastou que fosse redescoberto, nos anos 70,
para tornar-se, indubitavelmente, um clássico natalino dos mais adorados pelo
público através das décadas.
Escolhido por Capra para ser o primeiro filme de sua recém-fundada Liberty
Films, na qual era sócio dos cineastas George Stevens e William Wyler e que
pretendia lançar obras relevantes e sérias, “A felicidade não se compra” caiu
em seu colo quando já estava em desenvolvimento por outro estúdio e com o nome
de Cary Grant como protagonista. Baseado em um conto de Philip Van Doren, o
roteiro do casal Frances Goodrich e Albert Hackett acabou sendo retocado pelo
diretor para melhor caber em sua escolha para o papel central, o hesitante
James Stewart. Era a primeira – e foi a única – vez em que Capra trabalhou
escrevendo um filme seu, mas as intenções eram as melhores: apesar da fúria dos
roteiristas anteriores, Capra (já vencedor do Oscar por “Aconteceu naquela
noite”, de 1934) sabia que a história encontraria, nas mãos de Stewart, um
calor humano mais crível e condizente com a trama central, e se para isso fosse
preciso alterar alguns detalhes, assim seria feito. E foi. Ainda em dúvida se
já era hora de voltar aos sets de filmagem – depois de ter se juntado ao
exército americano na guerra – Stewart foi convencido pelo colega Lionel
Barrymore a aceitar o papel que também já havia sido cogitado para Henry Fonda. Premiado com o Golden Globe e indicado ao Oscar por seu desempenho, o ator jamais poderia imaginar que o
quase simplório George Bailey se transformaria no trabalho mais icônico de sua
longa e vitoriosa carreira.
Lançado com apenas um dia de diferença de “Os melhores anos de nossas vidas”
– que levou multidões aos cinemas e seria o grande vencedor do Oscar do ano
seguinte – “A felicidade não se compra” foi um fracasso inesperado. Não apenas
porque era a união de dois nomes bastante populares à época (Capra e Stewart)
mas também porque ninguém poderia imaginar que as plateias fossem rechaçar tão
violentamente um filme com intenções tão nobres. Foi somente quando caiu em
domínio público, em 1974 – graças a confusões burocráticas – que sua sorte
virou. Redescoberto por uma nova geração que passou a acompanhar suas
tradicionais reprises televisivas no período do Natal, o filme começou, então,
a conquistar fãs leais e influentes – como os diretores Rob Reiner e Edward
Zwick – e ser parte de um ritual anual que o converteu em uma instituição norte-americana.
A história é simples, mas repleta de uma poesia redentora e humanista que equilibra até mesmo a acidez um tanto cínica de alguns momentos: tentando desesperadamente ganhar seu almejado par de asas, o anjo Clarence (a princípio apenas uma luz no céu, e posteriormente na figura bizarra de Henry Travers) recebe a incumbência de seus superiores de descer à Terra e ajudar um cidadão em apuros. O tal cidadão é George Bailey (James Stewart), que, na véspera de Natal, pensa em suicidar-se devido a manobras sujas do banqueiro Potter (Lionel Barrymore). Para melhor entender a situação, Clarence é posto a par - juntamente com a plateia - de toda a história do rapaz. Morador da pequena Bedford Falls, George abdicou de seus sonhos de juventude (viajar pelo mundo e tornar-se arquiteto) para permanecer ao lado da família e dar continuidade aos negócios do pai. Casado com a bela Mary (Donna Reed) e pai de adoráveis crianças, ele aos poucos acostumou-se com uma nova rotina, de ajudar aos amigos e necessitados do lugar. Seu desespero vem do fato de ter perdido todo o dinheiro guardado para as casas populares sonhadas pelos contribuintes. Mas Clarence, nem um pouco disposto a perder a oportunidade de finalmente ser presenteado com suas asas, decide impedir o suicídio de George mostrando a ele como seria a vida da cidade e de muitas pessoas a seu redor se ele nunca tivesse existido.
Com uma meia-hora final brilhante - quando George percebe sua importância para as outras pessoas - e a coragem radical de não tentar evitar um sentimentalismo quase exagerado, "A felicidade não se compra" é a prova contundente de que a sinceridade é um ingrediente dos mais importantes do cinema. Debaixo do humor ingênuo, da lição de vida e da crítica mordaz à ambição, o que mais se sobressai do filme de Capra é uma sinceridade à toda prova e um amor à humanidade que fica óbvio em cada cena e principalmente no olhar de felicidade de Bailey ao constatar que não há nada de mais importante no mundo do que a amizade - e que cada pessoa tem o poder de transformar a vida de outras. Uma bela lição em um filme atemporal!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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