5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz (Bette Davis), Atriz Coadjuvante (Fay Binter), Fotografia, Trilha Sonora Original
Vencedor de 2 Oscar: Atriz (Bette Davis), Atriz Coadjuvante (Fay Binter)
Hollywood,
como todos sabem, vive de lendas. E uma das mais firmemente presas ao
inconsciente coletivo é aquela que diz que, arrasada por ter perdido o papel de
Scarlett O’Hara na adaptação para as telas do épico “... E o vento levou”, de
Margaret Mitchell, Bette Davis deu o troco à Warner da melhor maneira possível:
criando uma personagem similar em uma história passada no mesmo período
histórico e, como tiro de misericórdia, ganhando um Oscar de melhor atriz por
ele. Seria uma bela história. Se não fosse apenas mais uma lenda. Tudo bem que
Scarlett (que deu à Vivien Leigh o Oscar no ano seguinte) e Julie Morrison – personagem
de Davis em “Jezebel” – tem personalidades semelhantes, são fortes e
determinadas (além de sulistas durante a Guerra de Secessão), mas o filme de
William Wyler NÃO foi uma resposta de Davis a ninguém. Não apenas o nome da
atriz principal de “... E o vento levou” ainda não havia sido escolhido quando
“Jezebel” começou a ser filmado, como o próprio Selznick recusou-se a testar
Davis para o papel justamente por ter ficado irado com o que julgava uma
espécie de sabotagem contra seu tão acalentado projeto. Esse conflito de datas
pode até jogar um balde de água fria naqueles que gostam de uma boa fofoca de
bastidores, mas é apenas mais uma prova de que não é de hoje que Hollywood
adora desenvolver filmes com temática semelhante ao mesmo tempo.
Escrita por
Owen Davis e fracasso de bilheteria na Broadway na temporada 1934/35, “Jezebel”
teve seus direitos comprados pela Warner a preço de banana. Tal sorte
financeira, porém, não se repetiu durante as filmagens, que se arrastaram por
quase um mês a mais do que o previsto: com um custo adicional de 400 mil
dólares ao orçamento inicial, “Jezebel” confirmou a forma particular de direção
do cineasta William Wyler, que costumava repetir um take até sentir-se
particularmente satisfeito com ele. Tal método de trabalho – que fez com que
Humphrey Bogart tivesse tentado dissuadir seu amigo Henry Fonda de fazer o
filme – foi em boa parte responsável pelos constantes atrasos no cronograma e
até mesmo pelos problemas de relacionamento entre ele e sua estrela Bette Davis
(ao menos até que dois motivos a fizeram baixar a guarda: a constatação de que
Wyler sabia o que estava fazendo ao exigir dela a mesma cena diversas vezes e o
início de um conturbado romance com o diretor). Vendo seu casamento com Ham
Nelson naufragando a cada dia, Davis apaixonou-se por Wyler mesmo já estando
envolvida com seu colega de elenco, Henry Fonda – que por sua vez não só era
casado como estava em vias de tornar-se pai de sua segunda filha, Jane. Em mais
uma das lendas que correm a respeito do filme, Davis fingiu-se de doente para
não aparecer nos últimos dias das filmagens por saber que o último take seria
também sua despedida do cineasta que, dizem, era o pai do bebê que ela esperava
- uma reviravolta inesperada para uma relação que havia começado com o pé
esquerdo seis anos antes, quando Wyler, durante os testes para o filme "A
house divided", comentou com um membro da equipe que detestava atrizes que
julgavam que mostrar o corpo as ajudariam a ganhar um papel (a indireta era
para Davis, que estava vestida com um figurino alguns números menores por
erro alheio).
O fato é que, independentemente de seus problemas e confusões nos
bastidores, "Jezebel" é uma obra que se sustenta, e muito bem, sem nada
disso. Calcado fortemente na direção inspiradíssima de William Wyler e
na atuação monstruosa de Bette Davis, o filme é uma adaptação
inteligente e rica em crítica social que destoa radicalmente daquele que
tornou-se, mesmo sem querer, seu maior rival no ideário dos cinéfilos,
"... E o vento levou": ao contrário do que acontece na obra estrelada
por Vivien Leigh e Clark Gable, onde a história de amor entre os
protagonistas é orquestrada como um épico onde a Guerra de Secessão
surge como um pano de fundo filmado em luxuoso technicolor, em "Jezebel"
o espectro do conflito assume ares mais sérios e melancólicos -
cortesia da bela fotografia em preto-e-branco de Ernest Haller, que, por
coincidência, também assinou o filme de Selznick.
Passeando por uma New Orleans triste e castigada por um conflito que opôs cidadãos e famílias até então amigas, a câmera de Haller não tenta fazer da história um espetáculo e acaba por transformar os dramas de sua protagonista, Julie Morrison, no principal ponto de interesse do filme.
Uma jovem à frente do seu tempo, voluntariosa e pouco afeita a regras que fogem à sua compreensão, Julie não hesita em escandalizar a sociedade sulista da metade do século XIX, assumindo posições transgressoras aparentemente simples mas radicalmente chocantes a seus contemporâneos, como usar um vestido vermelho em um baile para toda a alta sociedade - quando se espera que moças virgens usem apenas branco. É justamente essa sua ousadia que acaba por afastá-la do homem que ama, Preston Dillard (Henry Fonda), que não consegue conceber a ideia de casar-se com uma mulher tão caprichosa. Dando o noivado por acabado, ele abandona a cidade e viaja para a Filadélfia, onde passa três anos. Sua volta é que que deflagra o processo de autodestruição e vingança em Julie - cuja ligação com Jezebel (a personagem bíblica cujos pecados acarretaram destruição e peste) surge através da veterana Belle Massey (Fay Binter, vencedora do Oscar de coadjuvante no mesmo ano em que também concorreu na categoria principal por "Novos horizontes"). O reencontro de Julie e Preston se dá de forma trágica e redentora, que, graças ao bom roteiro e à direção sensível de Wyler, jamais soam pedantes ou como um sermão.
"Jezebel" é, enfim, um grande filme, que merece, depois de todas essas décadas, finalmente sair da sombra de "... E o vento levou". Apesar de suas semelhanças (nem tão absurdas assim, afinal de contas), são duas grandes obras cinematográficas que devem ser vistas da maneira correta: dois filmes excelentes, com ambições diversas e resultados impecáveis. E Bette Davis é sempre uma atriz superlativa, capaz de fazer com que um mero dar de ombros tenha um efeito dramático devastador na plateia e nos colegas de cena. Se isso não for um motivo mais do que imenso, o que seria?
Passeando por uma New Orleans triste e castigada por um conflito que opôs cidadãos e famílias até então amigas, a câmera de Haller não tenta fazer da história um espetáculo e acaba por transformar os dramas de sua protagonista, Julie Morrison, no principal ponto de interesse do filme.
Uma jovem à frente do seu tempo, voluntariosa e pouco afeita a regras que fogem à sua compreensão, Julie não hesita em escandalizar a sociedade sulista da metade do século XIX, assumindo posições transgressoras aparentemente simples mas radicalmente chocantes a seus contemporâneos, como usar um vestido vermelho em um baile para toda a alta sociedade - quando se espera que moças virgens usem apenas branco. É justamente essa sua ousadia que acaba por afastá-la do homem que ama, Preston Dillard (Henry Fonda), que não consegue conceber a ideia de casar-se com uma mulher tão caprichosa. Dando o noivado por acabado, ele abandona a cidade e viaja para a Filadélfia, onde passa três anos. Sua volta é que que deflagra o processo de autodestruição e vingança em Julie - cuja ligação com Jezebel (a personagem bíblica cujos pecados acarretaram destruição e peste) surge através da veterana Belle Massey (Fay Binter, vencedora do Oscar de coadjuvante no mesmo ano em que também concorreu na categoria principal por "Novos horizontes"). O reencontro de Julie e Preston se dá de forma trágica e redentora, que, graças ao bom roteiro e à direção sensível de Wyler, jamais soam pedantes ou como um sermão.
"Jezebel" é, enfim, um grande filme, que merece, depois de todas essas décadas, finalmente sair da sombra de "... E o vento levou". Apesar de suas semelhanças (nem tão absurdas assim, afinal de contas), são duas grandes obras cinematográficas que devem ser vistas da maneira correta: dois filmes excelentes, com ambições diversas e resultados impecáveis. E Bette Davis é sempre uma atriz superlativa, capaz de fazer com que um mero dar de ombros tenha um efeito dramático devastador na plateia e nos colegas de cena. Se isso não for um motivo mais do que imenso, o que seria?
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