TARDE DEMAIS (The heiress, 1949, Paramount Pictures, 115min) Direção: William Wyler. Roteiro: Ruth Goetz, Augustus Goetz, peça teatral de sua autoria, inspirada no romance "Washington Square", de Henry James. Fotografia: Leo Tover. Montagem: William Hornbeck. Música: Aaron Copland. Figurino: Edith Head. Direção de arte/cenários: Harry Horner/Emile Kuri. Produçã: William Wyler. Elenco: Olivia de Havilland, Montgomery Clift, Ralph Richardson, Miriam Hopkins, Vanessa Brown. Estreia: 06/10/49
8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (William Wyler), Atriz (Olivia de Havilland), Ator Coadjuvante (Ralph Richardson), Fotografia em P&B, Trilha Sonora Original, Figurino em P&B, Direção de Arte/Cenários em P&B
Vencedor de 4 Oscar: Atriz (Olivia de Havilland), Trilha Sonora Original, Figurino em P&B, Direção de Arte/Cenários em P&B
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz (Olivia de Havilland)
Dez anos antes de promover um arrastão na Academia com seu épico religioso
“Ben-hur” – que arrebatou onze Oscar, inclusive de melhor filme e direção – o
cineasta William Wyler já dava mostras de que era capaz de seduzir público e
crítica, ainda que no comando de uma obra com escopo bem menos ambicioso.
Baseado no romance “Washington Square”, de Henry James – ou melhor dizendo, na
peça teatral escrita pelo casal Augustus e Ruth Goetz e inspirada no livro – o
filme “Tarde demais” foi indicado a oito estatuetas e saiu da cerimônia de
premiação com quatro láureas: figurino, direção de arte (na subcategoria preto-e-branco),
trilha sonora original e atriz, entregue à Olivia de Havilland, a eterna
Melanie Wilkes de “.... E o vento levou” (39). Nessa dramática história de amor
e interesse contada por Wyler, a atriz – que já tinha um troféu em casa pelo
melodrama “Só resta uma lágrima”, feito três anos antes – entrega uma de suas
mais fortes composições, buscando na plateia a empatia para uma personagem nada
heroica, cujo drama romântico é acentuado pela decepção e pela dor.
Na Nova York da metade do século XIX – época em que também se situa, não por
acaso, o belo “A época da inocência”, de Edith Wharton, levado às telas por
Martin Scorsese em 1993 – a sociedade é dividida em classes bem definidas e
rígidas. Respeitado e dono de uma pequena fortuna, o dr. Austin Slope (Ralph
Richardson) tenta encontrar um marido digno e apropriado para a única filha,
Catherine (Olivia de Havilland), uma moça tímida e quase insossa, avessa aos
encontros sociais e incapaz de acostumar-se às regras de seu círculo. Viúvo, o
dr. Slope sabe que a jovem não tem atrativos o bastante para ser disputada
pelos melhores partidos da cidade e, por esse motivo, não fica muito satisfeito
quando ela passa a ser cortejada por Morris Towsend (Montgomery Clift), um
rapaz bonito, de boa família e educado – mas que desperdiçou toda sua herança
em viagens e gastos supérfluos. Considerando Townsend um aproveitador barato
que está de olho no dinheiro a ser herdado por Catherine – que também tem
direito aos bens da falecida mãe – o médico se opõe ferozmente ao
relacionamento, o que acaba por coloca-lo contra a própria filha.
Depois de uma viagem de seis meses pela Europa – que ele acredita ser a
solução para o afastamento dos dois enamorados – o dr. Slope retorna à Nova
York apenas para perceber que a decisão de ambos em casar-se não foi alterada.
Seu rompimento com a filha, sua doença e a afirmação em alto e bom som de sua
opinião sobre sua personalidade – que ele acha medíocre e ingênua demais –
obrigam Catherine a tomar uma decisão cruel: manter-se ao lado do pai ou
assumir definitivamente o amor que sente por Townsend, que mantém-se fiel a seu
romance e tem a torcida de uma tia de Catherine, também viúva (Miriam Hopkins).
Será que o rapaz realmente a ama ou está interessado apenas em seu dinheiro? E
realmente ela é tão desinteressante quando seu pai diz ou apenas esconde uma
força interna prestes a mostrar seu tamanho? Essas questões, levantadas com
inteligência pelo roteiro e sublinhadas pela direção elegante e discreta de
Wyler – um cineasta sempre interessado em arrancar o melhor de seus atores –
fazem de “Tarde demais” um drama romântico que se assiste como ao melhor
suspense de Alfred Hitchcock.
Montgomery Clift – assumindo um papel oferecido a Cary Grant – não gostava
do seu desempenho como Morris Towsend, chegando inclusive a faltar à estreia do
filme em Hollywood como forma de demonstrar seu desagrado. O inglês Ralph
Richardson, no entanto, fez de seu primeiro filme em Hollywood um trabalho de
mestre, ganhando o prêmio de melhor ator pelo National Board of Review e uma
indicação ao Oscar de coadjuvante por sua performance como o aflito doutor
Austin Sloper, dividido entre o amor e a preocupação que sente pela filha e o
temor de vê-la sofrer nas mãos de quem ele julga não merecê-la. A bela trilha
sonora de Aaron Copeland, também premiada pela Academia, enfatiza tanto o lado
dramático quanto o tom soturno de alguns momentos da trama, transitando entre o
idílio da protagonista e seu inferno pessoal – uma tênue mudança de tom
magistralmente dominada pela atuação de Olivia de Havilland, que se utiliza de
sua falta de glamour para criar uma Catherine Slope inesquecível, capaz de
convencer em todas as etapas de sua personagem – de mulher simples e romântica
até alguém capaz de enfrentar o mundo que a rodeia e os sentimentos
contraditórios que inundam seu coração e sua alma. Na melhor atuação de sua
carreira, de Havilland brinda a plateia com um trabalho irretocável, valorizado
pelo talento de Wyler e pela história forte e contundente. Um filme digno de
ser chamado de clássico.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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