AMOR
À QUEIMA-ROUPA (True romance, 1993, Morgan Creek Productions, 120min)
Direção: Tony Scott. Roteiro: Quentin Tarantino. Fotografia: Jeffrey L.
Kimball. Montagem: Michael Tronick, Christian Wagner. Música: Hans
Zimmer. Figurino: Susan Becker. Direção de arte/cenários: Benjamín
Fernández/Thomas L. Roysden. Produção executiva: James G. Robinson, Bob
Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Gary Barber, Samuel Hadida, Steve
Perry, Bill Unger. Elenco: Christian Slater, Patricia Arquette, Gary
Oldman, Christopher Walken, Dennis Hopper, Brad Pitt, Saul Rubinek,
Michael Rapaport, James Gandolfini, Samuel L. Jackson, Val Kilmer,
Bronson Pinchot, Chris Penn, Tom Sizemore, Maria Pitillo. Estreia:
10/9/93
Antes de tornar-se febre e ser considerado o
"novo Martin Scorsese" graças ao sucesso imediato de seu violento "Cães
de aluguel" (92), Quentin Tarantino trabalhava como gerente de uma
video-locadora, como qualquer fã de cinema bem informado sabe. O que
talvez pouca gente saiba é que, durante esse período, ele e seu colega
Roger Avary trabalharam em uma gigantesca história com mais de 500
páginas recheada de todas as características que posteriormente
marcariam a obra do mais venerado cineasta da década de 90. Logicamente
um roteiro de 500 páginas jamais seria produzido, nem mesmo pelo mais
alucinado estúdio de Hollywood e a trama acabou sendo dividida em dois
filmes que aparentemente nada tem em comum: o primeiro, "Assassinos por
natureza", acabou se transformando em um gigantesco manifesto
anti-violência dirigido por Oliver Stone e anabolizado com um excesso de
efeitos de filmagem que descaracterizou o texto de Tarantino e provocou
duras críticas de seu autor (apesar de ser um grande filme ainda não
devidamente reconhecido por todo mundo). O segundo, com narrativa mais
tradicional - mas ainda assim extremamente violento - é "Amor à
queima-roupa", vendido por meros 50 mil dólares e dirigido pelo inglês
Tony Scott, irmão de Ridley e mais conhecido como o autor de filmes
bem-sucedidos comercialmente mas ocos em conteúdo, como "Top Gun, ases
indomáveis" (86) e "Um tira da pesada II" (87). De posse do roteiro ágil
e sem melindres de Tarantino - e com um grande elenco em dias pra lá de
inspirados - Scott conseguiu assinar o melhor filme de sua carreira,
tragicamente encerrada em agosto de 2012 com um suicídio que abalou
Hollywood.
Apesar de parecer estranha a afirmação,
"Amor à queima-roupa" é, como diz o título, uma história de amor, ainda
que revestida de todas as obsessões e neuroses da década de 90 - bem com
de suas referências à cultura contemporânea e às cenas de sexo bem
fotografadas e quentes na medida certa. A fotogênica (ainda que um tanto
canastrona) dupla central serve perfeitamente às intenções da trama,
rocambolesca, exagerada e extremamente divertida. Clarence (Christian
Slater no melhor papel de sua carreira) é um jovem atendente de uma loja
de quadrinhos raros (referência autobiográfica de Tarantino) que sofre
com sua falta de aptidões sociais. Na noite de seu aniversário, ele vai
ao cinema assistir a uma sessão tripla de filmes de kung-fu e conhece a
doce Alabama (Patricia Arquette), com quem sente uma identificação
imediata. Os dois passam a noite juntos, se apaixonam e a verdade cai
sobre eles como um balde de água fria: ela é prostituta e foi contratada
pelo chefe do rapaz como presente de aniversário. Ao invés de ficar
arrasado e sentir-se traído, Clarence sente na confissão da moça uma
prova de sinceridade e a pede em casamento. Para que possam viver sua
vida em paz, porém, eles precisam se livrar do cafetão de Alabama, o
bizarro Drexl (Gary Oldman). E é aí que os problemas realmente começam.
Depois
de um confronto com Drexl, em que tanto o cafetão quanto todos os seus
comparsas são mortos, Clarence fica de posse de uma mala com 500 mil
dólares em cocaína. Vendo nessa trágica circunstância a chance de ficar
rico e poder viver ao lado da amada Alabama, eles viajam até Hollywood
para vender a droga ao produtor de cinema (Saul Rubinek), mas não sabem
que atrás deles está o verdadeiro dono da mercadoria - um mafioso pouco
dado a sutilezas que não hesita em matar quem atrapalhe seu caminho - e a
polícia de Los Angeles, disposta a tudo para desbaratar a quadrilha de
traficantes. O resultado, como se poderia esperar, é um daqueles
massacres que só Hollywood sabe orquestrar sem ofender a suscetibilidade
da plateia. Exercitando a violência como poucas vezes em sua
filmografia, Scott deita e rola em sequências feitas para o delírio dos
fãs do gênero - em especial a luta entre Alabama e o capanga vivido pelo
saudoso James Gandolfini, em que até mesmo um saca-rolhas serve de
arma. É para nenhum fã de sangue botar defeito.
Mas, por trás da violência, das sacadas pop de Quentin Tarantino e do elenco cool,
"Amor à queima-roupa" é um bom filme? Sem dúvida. Apesar de nunca ter
conseguido realizar antes um filme que combinasse o visual apurado de
suas produções com um conteúdo digno de tanto capricho, aqui ele tem a
chance de explorar tanto a direção de atores - o que não é difícil
quando se tem em cena dois monstros como Christopher Walken e Dennis
Hopper, por exemplo - quanto o desenvolvimento de uma trama que, apesar
dos clichês (utilizados com destreza ímpar), é inteligente e bem
construída. O ritmo imposto a partir da morte de Drexl é alucinado,
equilibrado com doses de humor negro e participações especiais que vão
desde um Brad Pitt chapado em todas as cenas até a um Val Kilmer que não
mostra o rosto como o fantasma de Elvis Presley que aconselha Clarence
em suas aventuras. É uma história de amor ao gosto de Quentin Tarantino,
com tudo que faz do seu cinema bom ou ruim, dependendo do ponto de
vista. É pegar ou largar.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
AMOR À QUEIMA-ROUPA
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