VIVOS
(Alive, 1993, Paramount Pictures, 120min) Direção: Frank Marshall.
Roteiro: John Patrick Shanley, livro de Piers Paul Read. Fotografia:
Peter James. Montagem: William Goldenberg, Michael Kahn. Música: James
Newton Howard. Figurino: Jennifer L. Parsons. Direção de arte/cenários:
Norman Reynolds/Tedd Kuchera. Produção: Kathleen Kennedy, Robert Watts.
Elenco: Ethan Hawke, Vincent Spano, Josh Hamilton, Bruce Ramsay, John
Newton, Ileana Douglas, Josh Lucas, John Malkovich. Estreia: 15/01/93
Uma das mais famosas tragédias da aeronáutica mundial, o Milagre dos
Andes tornou-se manchete no início dos anos 70 nem tanto pelo acidente
que vitimou 29 pessoas - entre o acidente e uma avalanche posterior -
mas sim pelo sinistro meio com que os sobreviventes conseguiram
manter-se depois do final das provisões alimentícias: utilizando a carne
dos passageiros mortos, conservada pela neve da Cordilheira dos Andes.
Considerando todos os elementos que a história - dramática, tensa, com
todos os tipos de superação humana - carregava, até que demorou para
chegar aos filmes via Hollywood (o México já havia realizado uma
produção pouco conhecida fora dos limites da língua espanhola, chamada
"Os sobreviventes dos Andes", em 1976). Mais de vinte anos se passaram
até que Frank Marshall - produtor dos bem-sucedidos de Steven Spielberg e
que havia começado a aventurar-se na direção com o fraco "Aracnofobia"
(90) - assumisse o comando de "Vivos", um relato o mais preciso possível
dos nefastos acontecimentos que começaram em 13 de outubro de 1972 e se
estenderam até as vésperas do Natal, quando foram resgatados os últimos
sobreviventes.
Com roteiro escrito por John Patrick
Shanley - vencedor do Oscar por "Feitiço da lua" (87) - e baseado no
livro de Piers Paul Read publicado em 1974, "Vivos" não se preocupa
muito em apresentar seus personagens, partindo direto para a ação e
deixando que o público vá descobrindo aos poucos quem são as pessoas com
quem irá conviver pelas próximas duas horas (ou quais delas não
conseguirão ultrapassar as barreiras que o destino irá interpor em seu
caminho pela sobrevivência). Narrados em flashback por um dos
passageiros - vivido na maturidade por John Malkovich - os
acontecimentos se sucedem rapidamente na tela, ditando um ritmo que só
vai diminuir no terço final, quando, cansados de esperar pelo resgate,
alguns jovens partem em busca da salvação arriscando-se pela maior das
cordilheiras do mundo. Dividindo a ação de seu filme em três atos bem
definidos, Marshall consegue manter a atenção da plateia até os últimos
minutos mesmo quando se sabe o desfecho da trama, uma prova de sua
inteligência em não deixar que o mais bizarro da situação assuma
importância exagerada a ponto de tornar-se um clímax precoce.
Não
há dúvida de que a decisão dos sobreviventes do desastre em comer a
carne de seus amigos mortos é assustadora e forte o bastante para ser o
ponto principal da história narrada, mas "Vivos" não se detém
desproporcionalmente a ela, focando-se também em todos os outros dias
passados no gelo dos Andes, onde todos estavam expostos ao frio
excessivo e ao perigo constante de avalanches (uma delas, aliás, é a
responsável pela segunda tragédia do filme, apesar de filmada sem a
grandiosidade do cinemão hollywoodiano, inadequada ao tom sério da
produção). Desde as primeiras cenas - que mostram o acidente com um
misto de realismo e cuidado para não chocar plateias mais suscetíveis -
fica claro que a intenção de Marshall é contar a história de forma quase
didática, sem maiores arroubos de criatividade, e isso ele faz com
louvor. Seu cuidado em tratar dos atores, em especial, é perceptível
quando se percebe que Ethan Hawke, mesmo sendo o nome mais conhecido do
elenco, não é o protagonista heroico, dividindo as atenções com os
ótimos Vincent Spano e Josh Hamilton (e é bom reparar ainda que estavam
em cena Ileana Douglas e um iniciante Josh Lucas, que tem poucas falas
antes de tornar-se uma das vítimas fatais da queda do avião).
É
complicado descrever "Vivos" como diversão, uma vez que o público quase
não tem tempo para respirar diante de tantos acontecimentos trágicos
diante de si. Mas Frank Marshall aprendeu bem a lição em sua convivência
com Spielberg e e transformou uma história de desespero e angústia em
um entretenimento familiar, sem apelar para a violência gratuita ou o
dramalhão exagerado. Sua visão de espetáculo é bem definida,
equilibrando bom cinema com uma história real empolgante. Não é uma
obra-prima da sétima arte, mas é um filme ao qual se assiste com
interesse constante - e isso é muito mais do que se pode dizer de muitas
obras de sucesso comercial.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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