quinta-feira

NA RODA DA FORTUNA

NA RODA DA FORTUNA (The Hudsucker Proxy, 1994, Warner Bros, 111min) Direção: Joel Coen. Roteiro: Ethan Coen, Joel Coen, Sam Raimi. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Thom Noble. Música: Carter Burwell. Figurino: Richard Hornung. Direção de arte/cenários: Dennis Gassner/Nancy Haigh. Produção executiva: Tim Bevan, Eric Fellner. Produção: Ethan Coen. Elenco: Tim Robbins, Jennifer Jason Leigh, Paul Newman, Bruce Campbell, John Mahoney, Charles Durning, Peter Gallagher. Estreia: 11/3/94

No cinema abertamente corporativo de Hollywood nos gananciosos anos 90, não deixa de ser surpreendente que os irmãos Coen conseguissem realizar filmes tão fora do comum quanto "Na roda da fortuna" - que se seguia aos igualmente estranhos no ninho "Um gosto de sangue" (84), "Arizona nunca mais" (87), "Ajuste final" (90) e "Barton Fink, delírios de Hollywood" (91), todos dotados de uma personalidade própria rara no cinemão mainstream. Uma espécie de sátira aos ingênuos filmes de Frank Capra com altas doses de cinismo na receita, o filme logicamente não encontrou seu público nas bilheterias - talvez porque a audiência não tenha compreendido a brincadeira, talvez porque os próprios irmãos cineastas não tivessem a intenção de agradar ninguém a não ser eles mesmos, com seu humor iconoclasta e repleto de ironia ao american way of life. O fato é que, apesar do fracasso comercial, "Na roda da fortuna" também é um dos menos lembrados filmes dos Coen, sempre relegado a uma prateleira virtual de obras menores. Injustiça pura, já que é uma comédia deliciosa, visualmente deslumbrante e protagonizada por um Tim Robbins no auge da carreira.

Imaginar como ficaria o filme com Tom Cruise no papel central - ideia sem o menor cabimento do produtor não-creditado Joel Silver - chega a soar como um pesadelo, mas felizmente Joel, o diretor, e Ethan, o produtor (ambos também são roteiristas) tem, entre várias outras qualidades artísticas, firmeza nas suas escolhas, e não abriram mão de escalar Robbins como o caipira Norville Barnes, protagonista de sua saga sobre a ambição e a força da inocência. Vindo de uma bem-sucedida estreia como diretor em "Bob Roberts" e um Golden Globe de melhor ator cômico por "O jogador", ambos lançados em 1992, o então marido de Susan Sarandon entrega mais uma performance consagradora na pele de um homem comum e sonhador que, aportando na Nova York do final de 1958, dá de cara com um mundo hostil à sua simplicidade com uma poderosa engrenagem que esmaga toda e qualquer generosidade. É claro que, em se tratando de um filme dos Coen, não existe espaço para sentimentalismo barato nessa descoberta - há até mesmo um Charles Durning de anjo da guarda, com auréola e tudo, aconselhando Barnes no final - mas sua mensagem otimista é transmitida da mesma forma, graças à formidável quantidade de acertos do produto final.



A maior de todas as qualidades é uma que acompanha os diretores desde sua estreia, com o noir "Gosto de sangue": a escalação certeira do elenco. Se Tim Robbins dá um show particular desfilando todas as nuances de seu personagem com extrema competência e naturalidade, o mesmo pode ser dito de Paul Newman, poucas vezes visto na tela se divertindo tanto: como o maquiavélico Sidney J. Mussburger, o veterano demonstra um invejável senso de humor, sempre de posse de um gigantesco e fálico charuto e disparando barbaridades a quem quiser ouvir. Quem não acerta muito o tom de sua personagem, no entanto, é Jennifer Jason Leigh - apesar de ótima atriz, ela parece exagerar na composição de sua repórter disfarçada de secretária que acaba se tornando o interesse amoroso do protagonista, emulando Carole Lombard e Claudette Colbert com uma dose a mais de histrionismo. Além disso, há os deslumbrantes cenários de Dennis Gassner, a fotografia impecável de Roger Deakins e a música imponente e debochada de Carter Burwell, que compõem um extraordinário quadro para os diálogos espertos e a trama imprevisível.

A trama, aliás, é um achado do humor sofisiticado: justamente quando suas empresas estão no auge do sucesso, o diretor das indústrias Hudsucker (vivido por um igualmente divertido Charles Durning) se joga da janela do 44º andar de seu prédio, para susto de sua diretoria. Com o objetivo de comprar suas ações a um preço acessível e tornar-se acionista majoritário da empresa, o vice-presidente Sidney J. Mussburger (Newman) tem a ideia de nomear para a presidência alguém capaz de fazer com que o preço de tais ações caiam assustadoramente e escolhe para isso o recém-contratado Norville Barnes (Robbins) - formado em Administração em sua cidade do interior, totalmente perdido na imensa Nova York e funcionário do setor de correspondência da empresa. O que Mussburger jamais poderia imaginar é que, por trás da aparente ingenuidade de Barnes existe um homem inteligente e que tem uma ideia inovadora para alavancar os lucros: o ainda inédito bambolê.

Vasto de piadas visuais, diálogos inteligentes e dotado de uma direção criativa e nada vulgar, "Na roda da fortuna" é um triunfo. Merece ser descoberto, redescoberto ou finalmente reconhecido como mais um grande trabalho dos irmãos Coen.

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