UM
MUNDO PERFEITO (A perfect world, 1993, Warner Bros, 138min) Direção:
Clint Eastwood. Roteiro: John Lee Hancock. Fotografia: Jack N. Green.
Montagem: Joel Cox, Ron Spang. Música: Lennie Niehaus. Figurino: Erica
Edell Phillips. Direção de arte/cenários: Henry Bumstead/Alan Hicks.
Produção: Clint Eastwood, Mark Johnson, David Valdes. Elenco: Clint
Eastwood, Kevin Costner, Laura Dern, T.J. Lowther, Keith Szarabajka, Leo
Burmester, Bradley Whitford, Jennifer Griffin. Estreia: 24/11/93
Em
1990, Kevin Costner fez sua estreia na direção com "Dança com lobos",
um western revisionista e plácido que conquistou multidões e a Academia
de Hollywood, que o premiou com sete Oscar (boa parte deles de
merecimento duvidoso, frente a concorrentes como "Os bons companheiros",
de Martin Scorsese e "O poderoso chefão, parte 3", de Francis Ford
Coppola). Dois anos depois, o veterano Clint Eastwood repetiu o feito
com "Os imperdoáveis", um faroeste melancólico que levou 4 Oscar (dessa
vez com pleno merecimento). Uma reunião dos dois vencedores só poderia,
então, resultar em um sucesso arrasador, especialmente se rompesse com a
imagem de bom moço cultivada com tanto cuidado por Costner em sua
carreira. O fato de "Um mundo perfeito" ter arrecadado pouco mais de 30
milhões de dólares no território americano, no entanto, mostrou que, das
duas uma: ou o público não estava preparado para essa mudança na
persona artística do ator ou o filme - no qual Eastwood acumulava as
funções de ator, diretor e produtor - não era exatamente grande coisa.
Na verdade, é um pouco das duas coisas: nem Kevin Costner é um ator de
grande alcance dramático e nem a escolha de Clint de dirigir um filme
moralmente dúbio foi acertada.
"Um mundo perfeito" está longe de ser um filme ruim e o fato de fugir do maniqueísmo reinante das produções made in Hollywood já
seria motivo o bastante para ter todos os seus pecados perdoados. Seu
problema é justamente oferecer a Kevin Costner, um ator limitado e que
construiu sua trajetória com base em personagens de moral ilibada e de
identificação imediata com o americano médio - ou seja, nada
desafiadores - um papel complexo, repleto de aparentes incoerências e
que não faz concessões ao romantismo do público feminino. Seu Butch
Haynes até deixa vislumbrar uma certa hombridade em algumas atitudes,
mas no final das contas, mesmo que mostre um lado mais ameno em
determinados momentos, ele é um fora-da-lei, alguém que, sob o ponto de
vista puramente moral, é o cara mau da história - como deixa bem claro o
rastro de cadáveres que vai deixando para trás. Esse lado sombrio do
ator não parece ter agradado à audiência, como mostrou a bilheteria
escassa do filme, mas fica a dúvida sobre qual teria sido o resultado
(ao menos em termos de crítica) se o ator central fosse alguém mais
competente.
A
direção de Eastwood para "Um mundo perfeito" segue seu padrão sóbrio,
direto e simples. Sem firulas ou brincadeiras com a câmera, o eterno
Dirty Harry conduz a trama sem sobressaltos, com sua tranquilidade
habitual. Essa calma - uma característica quase imutável de seu trabalho
como cineasta - de certa forma atrapalha o desenvolvimento da história,
que pede um calor e uma tensão quase inexistentes em sua forma quase
acadêmica. O estilo cool de Eastwood talvez não tenha sido o mais
apropriado para mostrar o relacionamento entre um perigoso fugitivo e
seu refém, um menino de oito anos de idade sem uma imagem paterna na
qual se mirar. A emoção e o calor necessários para envolver o público
inexistem e a frieza com que a corrida do chefe de polícia atrás dos
dois é explorada são, certamente, a maior causa da indiferença com que o
filme foi recebido, apesar de suas qualidades.
E
qualidades não faltam: a bela fotografia de Jack N. Green é exemplar e o
roteiro de John Lee Hancock - que surpreendentemente anos depois
cometeria "Um sonho possível" (09), um amontoado dos mais
constrangedores clichês dramáticos do cinema - é inteligente ao eleger
como herói um homem repleto de falhas e crimes. Até mesmo o plot central
(um foragido sequestra um menino, filho de uma testemunha de Jeová que
até então o privava de todos os prazeres mundanos permitidos a qualquer
criança, e forja com ele uma amizade inusitada enquanto é perseguido
pela polícia, ansiosa em fazê-lo voltar para trás das grades) funciona,
principalmente por causa da atuação espontânea e encantadora do novato
T.J. Lowther. Mas é decepcionante que um filme com tantas possibilidades
tenha se transformado em apenas mais um filme comum. De Eastwood sempre
se espera mais.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
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