sábado

JUSTIÇA CEGA

JUSTIÇA CEGA (Internal affairs, 1990, Paramount Pictures, 115min) Direção: Mike Figgis. Roteiro: Henry Bean. Fotografia: John A. Alonzo. Montagem: Robert Estrin. Música: Brian Banks, Mike Figgis, Anthony Marinelli. Figurino: Rudy Dillon. Direção de arte/cenários: Waldemar Kalinowski/Florence Fellman. Produção executiva: Pierre David, René Malo. Produção: Frank Mancuso Jr.. Elenco: Richard Gere, Andy Garcia, Nancy Travis, Laurie Metcalf, William Baldwin, Annabella Sciorra, Richard Bradford, Michael Beach, John Kapelos, Xander Berkeley. Estreia: 12/01/90

O ano de 1990 foi particularmente feliz para os atores Andy Garcia e Richard Gere. O ator cubano, que já havia sido notado como um dos intocáveis de Brian DePalma e foi o parceiro de Michael Douglas em "Chuva negra" (89), de Ridley Scott, arrancou elogios rasgados e uma indicação ao Oscar de coadjuvante por seu desempenho como o sobrinho bastardo de Michael Corleone (Al Pacino) em "O poderoso chefão, parte 3". E Gere, que havia estreado no cinema no final dos anos 70, se tornado símbolo sexual graças a filmes como "Gigolô americano" (80) e entrado em um período de estagnação na carreira, voltou a brilhar intensamente como par romântico de uma bela prostituta (Julia Roberts) sob a visão Disney no megassucesso "Uma linda mulher". Além disso, ambos lideraram o elenco de "Justiça cega", um thriller policial brilhante, dirigido pelo independente Mike Figgis e que remetia diretamente aos exemplares do gênero realizados por Hollywood na década de 70 - obras mais cerebrais que tiravam partido do estado de paranoia pós-Nixon. Inesperado sucesso de crítica, o filme praticamente deu aos dois atores as chances de que precisavam para serem notados (ou redescobertos) pelo grande público.

Mike Figgis - o diretor que cinco anos mais tarde concorreria ao Oscar da categoria pelo deprimente "Despedida em Las Vegas" - constroi, com base no roteiro enxuto e conciso de Henry Bean, um excitante jogo de gato e rato entre dois policiais de Los Angeles que são postos em lados opostos em uma investigação de corrupção na força. Como integrante da Comissão de Assuntos Internos da polícia, o novato Raymond Avila (Andy Garcia) se vê às voltas com uma série de irregularidades relacionadas ao veterano Dennis Peck (Richard Gere) - sem saber que, além de corrupto, ele é também responsável por armar cenas de crimes para justificar sua violência latente, manipular seu antigo parceiro Van Stretch (William Baldwin) e pular da cama da esposa para a da ex-mulher e até para a fragilizada companheira de seu colega. Com a ajuda da parceira Amy Wallace (Laurie Metcalf), Avila aos poucos começa a desbaratar a quadrilha liderada por Peck, que, sentindo-se acuado, apela para os sentimentos latinos e viris de Avila, insinuando um caso com sua mulher, Kathleen (Nancy Travis).


Assumindo um papel recusado por Kurt Russell e Mel Gibson, Richard Gere poucas vezes esteve tão bem nas telas. Bem dirigido por Figgis - que soube usar em seu favor as limitações de Gere como intérprete, mantendo sempre uma aura de mistério e perigo ao redor de seu personagem - o ator, que vinha de uma sucessão de fracassos de bilheteria, mostrou-se digno da confiança depositada nele, entregando uma performance que, se não é digna de um Oscar, ao menos enfrenta de igual pra igual o vulcão sempre em vias de erupção que é o volátil personagem de Garcia. O cineasta também não deixa de aproveitar o status de símbolo sexual de Gere, dando a ele a oportunidade de desfilar o charme cafajeste que lhe deu fama - sem, no entanto, deixar que essa face da personalidade de Peck assuma a protagonização do filme até que seja a mola-mestra do conflito entre os dois policiais. E é justamente quando isso acontece que "Justiça cega" fica ainda mais empolgante.

O terço final do filme, quando Avila passa a desconfiar de um romance entre sua esposa e Peck, é o ponto alto da trama, talvez porque é o momento em que Andy Garcia tem mais chances de mostrar o quão talentoso ele é. Aproveitando que sua relação com Gere durante as filmagens não foram das mais amistosas, Garcia explode em cena, explorando o sangue quente de sua origem cubana em cenas repletas de uma tensão que apenas acrescenta ao filme: é genial, por exemplo, quando ele confronta Kathleen em um restaurante lotado e passa a ofender-lhe em espanhol (ideia do próprio ator muito bem aceita por Mike Figgis). Sua mente torturada por imagens entre sua esposa e Peck em tórridos momentos é que acaba por levá-lo a um confronto sangrento, que só não é ainda melhor pela necessidade quase irresistível do cinema americano policial de terminar suas histórias de maneira um tanto quase previsível. Mesmo assim, tudo é mantido em um nível de tensão superior a qualquer congênere. Vale mais do que uma espiada. Vale aplaudir o duelo entre Gere e Garcia, dois nomes que no início dos anos 90 pareciam ter todos os apetrechos para dominar a década.

2 comentários:

Unknown disse...

Nem sei se o blog ainda está ativo, mas adorei a sua crítica! Justiça Cega é um dos meus filmes favoritos, sou fascinada pelo ator Andy Garcia e concordo plenamente: ele está brilhante neste filme! O duelo com Gere é ótimo de ser assistido!

Parabéns pela crítica! Um abraço!

Clenio disse...

OI, obrigado pela visita e pelo comentário. O blog ainda está ativo, sim. Dá uma parada de vez em quando mas sempre volta. Abraços.

AS BARREIRAS DO AMOR

  AS BARREIRAS DO AMOR (Love field, 1992, Orion Pictures, 105min) Direção: Jonathan Kaplan. Roteiro: Don Roos. Fotografia: Ralf D. Bode. Mon...